Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Descrição de chapéu Financial Times

A China de Xi Jinping quer ser rica e comunista

As ambições do presidente terão de superar a armadilha da renda média e aplacar uma população cada vez mais exigente

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Londres | Financial Times

Será que a China vai se tornar um país de alta renda ainda como um Estado comunista de partido único? Caso a China realize essa façanha, estaria transformando um planeta em que, no momento, todos os países grandes e de renda alta são democracias.

O balanço mundial do poder seria alterado, não só em termos econômicos e militares, mas também em termos políticos e ideológicos. É isso que o presidente Xi Jinping espera que aconteça. Mas qual é a probabilidade de que sua esperança se realize?

Hoje, a China não é muito excepcional. É fato que o número de países governados por partidos que se definem como comunistas é muito menor do que era em 1991. Mas restam alguns desses países, especialmente o Vietnã. Também é verdade que a China conseguiu quatro décadas de crescimento econômico assombroso. Mas continua a ser um país de renda média, classificado pelo FMI como o 75º do planeta em renda per capita, em termos de paridade de poder aquisitivo - um pouco abaixo do México e da Tailândia.

Em termos de qualidade da governança, China tampouco é extraordinária, ao menos de acordo com os indicadores do Banco Mundial. Como seria de esperar, ela tem resultados muito melhores em termos de "efetividade do governo", uma categoria na qual está próxima da Itália, do que em "voz e prestação de contas", na qual ela está abaixo da Rússia.

Mas não apresenta nenhum resultado verdadeiramente excepcional entre os países de renda média. No entanto, caso se torne um país de alta renda, com renda per capita comparável, digamos, à da Coreia do Sul, mas com prestação de contas pelo governo em patamar semelhante ao atual, teríamos diante de nós algo de realmente novo. Afinal, até mesmo Cingapura fica muito acima da China em termos de "voz e prestação de contas".

Se isso acontecesse, a China teria conseguido se tornar rica mantendo seu sistema político praticamente inalterado. Fica claro que é isso que Xi deseja assegurar. Um crescimento real sustentado de 4% ao ano no Produto Interno Bruto (PIB), por mais uma geração, posicionaria a China no meio do grupo dos países de alta renda.

A economia chinesa seria, nesse caso, muito maior que a dos Estados Unidos e a da União Europeia combinadas. Estaríamos diante de um novo mundo. Mas é plausível imaginar que isso aconteça? A Coreia do Sul é, afinal, o único país que migrou do status de país de baixa renda para o de país de alta renda em apenas duas gerações.

Para realizar a façanha, o Estado-partido da China precisa oferecer níveis muito superiores de desempenho governamental, e a economia do país precisaria atingir o nível de prosperidade das economias de alta renda sem sucumbir às demandas por maior prestação de contas vindas de uma população que teria se tornado mais próspera, mais urbanizada, mais educada e mais exigente. E tudo isso teria de acontecer sem as cisões irreparáveis na elite do partido que destruíram a União Soviética.

O que poderia causar um fracasso da China? O país poderia sucumbir à "armadilha da renda média". Há quem argumente que o crescimento econômico da China já vem sendo superestimado por margem considerável. Além disso, à medida que a população envelhece, restrições ambientais se aplicam, o domínio estatal da economia teoricamente cresce e o retorno sobre o investimento cai. O crescimento - que já está bem abaixo do nível atingido antes de 2008 - poderia se reduzir a patamares pouco - ou nada - maiores que os dos países de alta renda. A convergência cessaria. Uma crise de dívida poderia tornar a desaceleração ainda mais abrupta.

Enquanto isso, mudanças sociais poderiam solapar a legitimidade do Estado-partido, especialmente no contexto de uma desaceleração como a descrita. Além disso, em longo prazo, o partido poderia considerar impossível conter a corrupção inerente.

Também seria cada vez mais difícil sustentar a legitimidade de uma organização cujas raízes estão em um marxismo antiquado, especialmente por este ter sido responsável por catástrofes como o Grande Salto Adiante e a Revolução Cultural.

Como aponta Kerry Brown, do King's College London, em "China's Dream", um livro fascinante sobre a cultura do comunismo chinês, o passado "está repleto de portas que foram cuidadosamente fechadas e trancadas, e de territórios que continuam vigorosamente bloqueados e policiados".

Por que o comunismo chinês, ainda assim, poderia encontrar sucesso? Uma resposta é que o Estado-partido se provou espantosamente flexível e pragmático.

Mudar com tamanha rapidez da Revolução Cultural para a "reforma e abertura" foi um feito. O velho conceito de "mandato dos céus" também ajuda: já que os comunistas estão no poder, eles deveriam, de fato, estar no poder. Também crucial é que o partido alardeie ter salvado a nação da pobreza e da condição de vítima, gerando em lugar disso prosperidade e poder.

O partido sempre enquadra a narrativa nacional. Nas palavras de Brown, ele é "o repositório da missão nacional". O casamento entre o partido e o nacionalismo é uma poderosa fonte de legitimidade. E a maneira pela qual os Estados Unidos vêm conduzindo sua diplomacia comercial provavelmente cimentará o apoio nacionalista.

O partido comunista conta com recursos adicionais. Um é a campanha pela educação e pelo empreendedorismo na China, que aumentam consideravelmente a probabilidade de atingir a prosperidade. Outro recurso é a capacidade de transformar a tecnologia moderna em um sistema abrangente de vigilância que cobre virtualmente todos os chineses.

Ainda outro é a capacidade para apontar os problemas econômicos e políticos recentes das democracias de alta renda: a crise financeira mundial, a queda no crescimento da produtividade, a tendência a escolher líderes incompetentes (como o presidente americano Donald Trump) e causas condenadas (como o Brexit).

Para muitos chineses, a democracia deve parecer uma alternativa menos atraente hoje do que no passado. Para eles, arriscar a estabilidade política interna do país em troca das versões atuais de democracia, dada a rejeição do Ocidente à competência pragmática na qual o progresso da China se baseia, parecerá um risco grande demais.

Será que a China se transformará em uma grande Cingapura, com nível de prosperidade e efetividade governamental semelhantes aos dos países de alta renda, mas retendo o regime de partido único? Ou seu sistema político e seu progresso econômico (mais provavelmente, os dois juntos) desaparecerão?

Xi ficará na história como o homem que levou a China à posição mais alta do planeta ou como uma versão chinesa de Leonid Brezhnev, cujo conservadorismo causou estragos irreparáveis ao sistema soviético? É impossível saber como isso terminará. Os chineses é que decidirão. Só sabemos que o resultado importa para todos nós. Enquanto isso, o Ocidente tem de cuidar de seus problemas, e reparar as falhas em seu sistema democrático.

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