Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Martin Wolf
Descrição de chapéu Financial Times Coronavírus

Podemos encerrar a pandemia da Covid no ano que vem

Estamos lutando em uma guerra mundial, mas ação audaciosa quanto à vacinação pode dar aos nossos governos a oportunidade de vencê-la

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Financial Times

Somos uma espécie estranha. Temos a capacidade de produzir maravilhas, mas em seguida falhamos em garantir que cheguem a todas as pessoas que poderiam se beneficiar, apesar de os custos serem triviais, se comparados aos ganhos coletivos. A maravilha, agora, é a chegada rápida de vacinas efetivas contra a Covid-19. A falha é garantir produção e distribuição em escala suficiente. Em nossa insensatez, estamos desperdiçando uma oportunidade gloriosa.

Em “Uma Proposta para Acabar com a Pandemia da Covid-19”, Ruchir Agarwal e Gita Gopinath, do Fundo Monetário Internacional (FMI), destacam tanto a oportunidade quanto os benefícios que podem ser obtidos caso ela seja aproveitada. O plano que sugerem é o de vacinar pelo menos 40% da população de todos os países do planeta até o final de 2021, e pelo menos 60% até 2022, e criar sistemas que permitam exames e rastreamento generalizado dos contágios. O estudo estima os benefícios econômicos cumulativos desse esforço em US$ 9 trilhões (US$ 1,15 mil por pessoa), ante um custo de US$ 50 bilhões— uma relação custo/benefício de 180 por um. Deve ser um dos investimentos de maior retorno já propostos.

A pandemia é, acima de tudo, uma crise de saúde. Mas também é um desastre econômico. O estudo tem razão em insistir em que “a política quanto à pandemia é também política econômica, porque não haverá fim duradouro para a crise econômica sem um fim para a crise de saúde”. Uma comparação entre as projeções do FMI em outubro de 2019 e as projeções de abril de 2021 indica que a Covid-19 reduziu a produção real do planeta em US$ 16 trilhões (em preços de 2019), só nos anos de 2020 e 2021. Se a pandemia continuar, perdas da mesma ordem persistirão por ainda muito tempo no futuro.

O relatório também estima que 40% dos ganhos que o plano ofereceria iriam para os países de alta renda, porque uma recuperação mundial fortalece a recuperação em cada deles. Isso elevaria sua arrecadação tributária em pelo menos US$ 1 trilhão. Além disso, a aceleração da vacinação não aceleraria apenas a reabertura das economias. Também reduziria a probabilidade de que uma variante futura do vírus venha a derrotar as vacinas disponíveis, o que poderia forçar o mundo a retornar aos lockdowns.

O plano é gastar US$ 50 bilhões, dos quais pelo menos US$ 35 bilhões seriam bancados por dotações e o restante por empréstimos concessionais. Dados os compromissos já assumidos, apenas US$ 13 bilhões em dotações adicionais são necessários. Mas é importante que esse dinheiro não seja apenas prometido, mas desembolsado com antecedência, em forma de verbas e doações de vacinas.

Sob o cenário que o relatório define como “situação de rotina”, a estimativa seria de seis bilhões de doses de vacinas produzidas até o final de 2021, o que bastaria para vacinar 3,5 bilhões de pessoas (45% da população mundial). Isso permitiria que a população prioritária do planeta fosse coberta. Na prática, porém, alguns países estão vacinando crianças enquanto outros vacinam quase ninguém. Assim, a cobertura efetiva nos países de baixa e média renda ficará bem abaixo dos 45%.

Pior, existem riscos plausíveis de que esse cenário enfrente problemas. Entre eles há a escassez de matérias primas, restrições de exportação, preocupações de segurança quanto às vacinas mais adequadas para os países em desenvolvimento, e o provável uso de doses de vacina para inocular crianças e para reforço, o que reduz a eficácia estatística no uso da vacina. Qualquer um desses desdobramentos, ou a soma deles, poderia reduzir ainda mais a disponibilidade de vacinas nos países em desenvolvimento, retardando o fim da pandemia mundial.

Assim, o que está sendo proposto sobre a vacinação?

Primeiro, atingir as metas mais ambiciosas de vacinação. Isso requererá contribuições em dinheiro imediatas de US$ 4 bilhões para a Covax, a fim de concluir pedidos, ativar capacidade mundial não utilizada e distribuir vacinas. Além disso, os países também devem ser ajudados individualmente a encomendar mais vacinas. Adicionalmente, as restrições quanto à venda de matérias primas e vacinas prontas devem ser suspensas. Por fim, doses excedentes de vacina devem ser doadas para onde quer que exista maior necessidade.

Segundo, como proteção contra os riscos que a campanha pode enfrentar, é preciso firmar contratos para um trilhão adicional de doses de vacina até o primeiro semestre de 2022. Isso requereria verbas adicionais de US$ 8 bilhões. Também seriam precisos esforços adicionais para encorajar o licenciamento voluntário e a transferência internacional de tecnologia. Além disso, é essencial criar um sistema mundial de vigilância genômica e modificação de vacinas, caso necessário. Outro componente essencial é transparência quanto a todas as encomendas de vacina e as cadeias de suprimento que devem entregá-las.

Terceiro, administrar o período de escassez de vacinas com sabedoria. Assim, é preciso investir já em expansão da capacidade de entrega e no combate à "hesitação quanto à vacina”. Além disso, todas as vacinas potenciais devem ser avaliadas, incluídas as da China e Rússia. Também é vital garantir que as vacinas continuem a ser gratuitas para as pessoas pobres, no mínimo. Além disso, enquanto persistir a escassez, as doses devem ser aproveitadas ao máximo, como fez o Reino Unido, dando primeiras doses a um maior número de pessoas, aplicando doses fracionais ou aplicando doses únicas a pessoas que já tenham tido a doença.

Os detalhes técnicos do programa proposto podem precisar de ajustes. O financiamento para ele também. Mas não deve haver questão quanto à sua lógica mais ampla. Estamos todos juntos nisso. É insensatez imaginar que o foco nacional dos atuais programas de vacinação será efetivo em lidar com uma pandemia mundial. É insensatez não expandir a oferta e as entregas mundiais de vacinas da maneira mais urgente possível. Também é insensatez gastar trilhões de dólares em medidas de apoio relacionadas à pandemia dentro de um pais e deixar de gastar algumas poucas dezenas de bilhões de dólares para pôr fim à pandemia em todo o mundo o mais rápido possível.

Se verdades evidentes como essas não influenciarem os governos das democracias de alta renda, que eles ao menos considerem a geopolítica. Por quantias modestas, eles têm a capacidade de aliviar o sofrimento de bilhões de pessoas que vivem em países vulneráveis, e assim provar que se importam e que são competentes. Podem fazer o bem, e com isso parecer bons. Caso não mostrem a urgência necessária em gastar essas quantias triviais, a posteridade vai querer saber o que diabos eles estavam pensando. Vivemos uma guerra mundial. Os governos dos países ricos precisam agir para vencê-la já.

Tradução de Paulo Migliacci

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.