Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Descrição de chapéu Financial Times inflação juros

A inflação é um desafio político e econômico

As pessoas se preocupam com os aumentos de preços e os danos que eles podem causar à renda real

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O retorno da inflação aos Estados Unidos não é apenas um acontecimento econômico importante. É também político. À medida que se torna cada vez menos plausível que ela simplesmente desapareça sem causar dor, decisões difíceis devem ser tomadas sobre como reagir.

Isso levanta grandes perguntas. Como chegamos até aqui? Que tamanho e duração deverá ter uma desaceleração para trazer a inflação de volta ao controle? As políticas já são rígidas o suficiente? Se não, que outras medidas devem ser tomadas? Não menos importante, a inflação deve ser reduzida às metas anteriores ou os formuladores de políticas devem desistir e aumentar suas metas?

O último Relatório Anual do BIS (Banco de Compensações Internacionais) oferece uma excelente análise do que está acontecendo. Mais importante, ele esclarece os perigos de se afastar do regime de baixa inflação dos últimos 40 anos.

Letras de plástico dispostas para ler "Inflação" são colocadas na nota de dólar americano - Dado Ruvic - 12.jun.2022/Reuters

Em abril de 2022, observa o BIS, "três quartos das economias apresentavam inflação acima de 5%. A inflação tinha voltado, não como um amigo há muito esperado, mas como um inimigo ameaçador". De fato, a inflação já está alta e amplamente espalhada entre países e setores. A princípio isso foi inesperado, e depois descartado como transitório. Nenhuma das visões pegou bem. A inflação também é econômica e politicamente saliente. Muito simplesmente, as pessoas se preocupam com ela. Não menos importante, a inflação inesperada também significa cortes inesperados na renda real. Isso é altamente impopular, o que não causa surpresa.

O perigo agora é de estagflação, definida como um episódio prolongado de crescimento fraco mais inflação variável e persistente. Para nos ajudar a entender melhor a natureza desse desafio, o BIS explica as diferenças entre um regime de baixa inflação e um de alta inflação. Ele faz isso olhando "por baixo do capô" como os regimes de inflação realmente funcionam. Crucialmente, ao que parece, a inflação se comporta de maneira diferente nesses dois regimes.

Quando a inflação é prolongadamente baixa, por exemplo, sua volatilidade também cai, assim como sua persistência: ela é autoequilibrada. Isso ocorre em parte porque as pessoas esperam que ela se estabilize e também porque na maioria das vezes simplesmente a ignoram. A baixa volatilidade da inflação não se deve à baixa volatilidade dos preços individuais, mas à baixa correlação entre eles. Mudanças de preços relativos, mesmo grandes, têm pouco impacto no nível geral de preços.

Um regime de alta inflação é o oposto. Grandes mudanças nos preços relativos –grande desvalorização da moeda, por exemplo– se espalham rapidamente pela economia, à medida que as pessoas lutam para se proteger contra os choques na renda real. O mecanismo por trás desse spread são as espirais preço-preço e salário-preço. Além disso, quanto maior a preocupação, mais os esforços se tornam preventivos. As expectativas são cruciais. Quando as pessoas deixam de saber o que esperar, tornam-se ainda mais urgentemente defensivas.

Explicar o que está acontecendo como devido a choques de oferta "exógenos" é um grande erro. O que é exógeno a qualquer economia é muitas vezes endógeno a todas elas. Assim, a rápida expansão da demanda em várias economias significativas criará um aumento da demanda global. Terceiro, o excesso de demanda sempre aparecerá primeiro onde os preços são flexíveis, principalmente em commodities, antes de se espalhar.

Crucialmente, estamos agora à beira de uma mudança de regime de inflação baixa para alta. Por que esse perigo chegou? Uma explicação foi o excesso de confiança na permanência da inflação baixa. Outra foram as antigas metas de inflação média e o excesso de confiança na capacidade de fornecer orientação futura. Outra foi ignorar o dinheiro quando, mais uma vez, ele importava. Outra ainda foi o excesso de confiança na capacidade de oferta. Claro, também houve choques, como a guerra.

Quanto mais arraigada for essa mudança de regime, maiores serão os custos de revertê-la. Na pior das hipóteses, poderá ser necessária uma recessão acentuada ou uma desaceleração prolongada. Até agora, os formuladores de políticas não deixaram isso claro. É também por isso que eles tendem a desistir antes de atingirem seu objetivo. É também por isso que uma estagflação prolongada é agora bastante provável.

Uma questão importante, então, é se os formuladores de políticas fizeram o suficiente para reduzir a inflação às suas metas. O principal argumento que eles têm é de que as condições financeiras já estão muito mais apertadas. Isso está intimamente relacionado ao aumento da fragilidade financeira desde o episódio estagflacionário da década de 1970. Ao mesmo tempo, os rácios da moeda ampla em relação ao Produto Interno Bruto nominal ainda estão em níveis sem precedentes, enquanto as taxas políticas reais permanecem negativas. É bem possível que as políticas tenham que endurecer muito mais nos próximos meses.

Confrontados com a necessidade de desacelerações mais profundas ou políticas mais rígidas, os bancos centrais podem recuar. Os políticos certamente o farão. Um resultado possível é um ciclo estagflacionário, pois os bancos centrais oscilam entre fazer muito pouco, reverter e fazer muito pouco novamente. Outro é que muitos formuladores de políticas concordem que 2% de inflação é muito rigoroso. Por que não ir para 4% ou mais em vez disso? Teria o benefício de dar aos bancos centrais mais espaço de manobra para baixo nas taxas de juros futuras, assim reduzindo a necessidade de flexibilização quantitativa em recessões posteriores.

O argumento é atraente, pelo menos politicamente, mas há fortes objeções. Desistir quando as coisas ficam difíceis diz às pessoas que os formuladores de políticas sempre desistirão quando as coisas ficarem difíceis. Além disso, existe a alternativa de usar taxas de juros oficiais negativas. Acima de tudo, digamos, a 4% a inflação será muito evidente o tempo todo. Em um ambiente tão sensível à inflação, as pessoas não apenas acharão muito mais difícil separar as mudanças de preços relativos das gerais, como estarão apenas esperando que os formuladores de políticas as enganem mais uma vez.

O dinheiro é um bem público essencial. O dinheiro sólido sustenta a estabilidade política e econômica: não deve ser jogado fora.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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