Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Martin Wolf
Descrição de chapéu Financial Times inflação juros

Erros de políticas da década de 1970 ecoam em nosso tempo

Dívidas enormes deixam a economia mundial mais frágil do que há mais de 40 anos

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Inflação inesperadamente alta, guerras nas principais regiões produtoras de matérias-primas, salários reais em queda, desaceleração do crescimento econômico, temores de aperto na política monetária e turbulência nos mercados de ações –vemos todas essas coisas na economia mundial hoje. Também foram as características dominantes na economia mundial na década de 1970.

Esse período terminou no início dos anos 1980, com um brutal arrocho monetário nos EUA, uma forte redução da inflação e uma onda de crises de dívida nos países em desenvolvimento, especialmente nos da América Latina. Também foi seguido por grandes mudanças na política econômica: a economia keynesiana convencional foi enterrada, os mercados de trabalho foram liberalizados, as empresas estatais, privatizadas e as economias, abertas ao comércio.

Quão próximos são os paralelos, especialmente com os anos 1970? Quais as diferenças? E o que podemos aprender com esses erros? O relatório Perspectivas Econômicas Globais do Banco Mundial, lançado na semana passada, aborda essas questões. Os paralelos são claros, assim como as diferenças. Não menos importante, há erros a serem evitados: não seja otimista demais; não veja a inflação alta de ânimo leve; e não deixe pessoas e economias vulneráveis desprotegidas contra os próprios choques e seus legados dolorosos.

Note de dólar em frente a gráfico de ações em queda - Dado Ruvic - 12.jun.2022/Reuters

O que estamos vendo já equivale a estagflação –definida como um período prolongado de inflação acima do esperado e crescimento abaixo do inicialmente esperado? A resposta é "ainda não", mas é um risco.

A inflação está bem acima da meta em quase todos os países. Como na década de 1970, isso se deve em parte a choques pontuais –na época, duas guerras no Oriente Médio (a do Yom Kippur em 1973 e a do Irã-Iraque, que começou em 1980), desta vez são a Covid e a invasão da Ucrânia pela Rússia. O mais importante é o perigo de que essa inflação se incorpore nas expectativas e, portanto, nas economias.

Parte da razão pela qual esse risco se intensificou na década de 1970 foi o fracasso em reconhecer a tempo a desaceleração da taxa de crescimento potencial. Hoje, também, os otimistas assumem que as tendências de crescimento pré-pandemia continuarão. No entanto, o Banco Mundial argumenta: "Ao longo da década de 2020 como um todo, espera-se que o crescimento global potencial desacelere 0,6 ponto percentual abaixo da média de 2010".

Os ecos da década de 1970 são altos, então: inflação acima do esperado, grandes choques e crescimento enfraquecido. Mas as diferenças também são animadoras. O preço real do petróleo saltou substancialmente mais entre 1973 e 1981 do que desta vez. A inflação global também é muito menos ampla do que se tornou na década de 1970. Isto é especialmente verdadeiro para a inflação "núcleo". No entanto, talvez seja porque estamos numa etapa inicial do processo inflacionário. A inflação tende a se tornar mais ampla quanto mais persistente for.

As estruturas de política monetária também são mais verossímeis e mais focadas na estabilidade de preços do que as da década de 1970. Mas este último ponto também se tornou menos verdadeiro recentemente, especialmente nos EUA. Além disso, as expectativas de inflação em, digamos, 1970 certamente não eram para a inflação que ocorreu posteriormente. Os formuladores de políticas tendiam a culpar a inflação por fatores temporários também, assim como vimos mais recentemente.

As economias são mais flexíveis hoje do que na década de 1970, é verdade. Mas o aumento do protecionismo pode levar a uma reversão desse aspecto. A intensidade energética certamente também caiu desde então. Mas os preços da energia ainda são importantes. Finalmente, espera-se que a política fiscal seja menos expansionista desta vez, embora o tenha sido muito em 2020 e 2021.

Ao todo, a suposição de que as coisas serão muito diferentes desta vez tem plausibilidade, mas está longe de ser certa.

Acima de tudo, se é verdade, depende do que os formuladores de políticas fizerem. Eles precisam evitar o erro de permitir que a inflação saia do controle, como aconteceu na década de 1970. Eles ainda devem ter tempo para fazer isso. Mas agir de forma decisiva também gera perigos, mais obviamente de uma desaceleração desnecessariamente acentuada, com os custos econômicos que se seguiriam. Contra isso, é possível que as mudanças demográficas, a mudança tecnológica mais lenta, a desglobalização, o esgotamento de importantes oportunidades anteriores de crescimento e o populismo crescente enfraqueçam as forças desinflacionárias no longo prazo. Isso tornaria ainda mais difícil alcançar e sustentar uma inflação baixa.

Um perigo óbvio surge no único aspecto em que a economia mundial parece mais frágil do que há 40 anos: o tamanho do estoque da dívida, especialmente o estoque denominado em moeda estrangeira. Crucialmente, isso não vale apenas para países emergentes e em desenvolvimento. O euro também é, em essência, uma moeda estrangeira para um membro da zona do euro atingido pela crise.

Se o aperto da política monetária for substancial e prolongado, é provável que surjam crises de dívida confusas e caras. Acredita-se amplamente que os credores estejam em melhor situação para enfrentar esses golpes do que os bancos internacionais no início da década de 1980. Mas os mutuários talvez não estejam: deve-se supor que aqueles que podem escolher entre a importação de alimentos e energia, por um lado, e o serviço da dívida, por outro, normalmente escolherão o primeiro.

Também é otimista demais até mesmo para ter certeza de que os choques na economia real acabaram. O vírus pode ter truques mais medonhos na manga. Além disso, ninguém sabe como a guerra vai se desenrolar. Além disso, algumas das medidas que estão sendo discutidas, notadamente a proibição do seguro marítimo nos embarques de petróleo russo, podem gerar novos saltos nos preços globais do petróleo. A Rússia também pode cortar as exportações de gás para a Europa, gerando mais distúrbios.

Trabalhei como economista no Banco Mundial na década de 1970. O que mais me lembro desse período é a incerteza generalizada: não tínhamos ideia do que aconteceria a seguir. Muitos erros foram cometidos, alguns por excesso de otimismo e outros por pânico. O passado não se repete. Mas está rimando. Não ignore a poesia do tempo.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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