Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Martin Wolf
Descrição de chapéu Financial Times União Europeia

Economias da zona do euro não têm escolha a não ser enfrentar choque de oferta juntas

Política energética comum é essencial para proteger cidadãos contra o pior da crise

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Os desafios econômicos enfrentados pela zona do euro não são os mesmos que os EUA enfrentam. Na comparação, porém, eles são ainda mais difíceis.

A economia da zona do euro não está sofrendo com o superaquecimento da demanda doméstica na mesma medida que os Estados Unidos. Isso deve tornar a tarefa da política monetária mais fácil para o BCE (Banco Central Europeu) do que para o Fed (Federal Reserve). Mas o choque de oferta que atinge a zona do euro é muito maior, com um enorme aumento no preço da energia, especialmente do gás, após a invasão da Ucrânia pela Rússia. Esse choque é ao mesmo tempo inflacionário e contracionista: inflacionário, pois elevou fortemente o nível de preços; e contracionista, na medida em que reduziu a renda real das famílias e os termos de troca dos países.

Escultura do artista alemão Ottmar Hörl retratando o logo do euro em frente à antiga sede do Banco Central Europeu, em Frankfurt, Alemanha - Daniel Roland - 24.jun.2016/AFP

Crucialmente, a zona do euro é mais frágil do que os EUA. Suas economias nacionais são diversificadas e os mecanismos de seguro transfronteiriços relativamente pouco desenvolvidos. Acima de tudo, a política permanece nacional. Em consequência, a fragmentação é sempre um risco. No entanto, a zona do euro tem vantagens em lidar com a Covid e os choques energéticos, em comparação com as crises financeiras de uma década atrás. Os choques recentes afetaram os membros de maneira bastante semelhante, enquanto a crise financeira global dividiu a zona do euro entre credores dominadores e devedores humilhados. Desta vez é realmente diferente.

Então, o que o futuro pode reservar? E o que, acima de tudo, precisa ser feito?

Comece pela política monetária. No ano até agosto de 2022, a inflação dos preços ao consumidor foi de 9,1% na zona do euro e 8,3% nos EUA. Mas o núcleo da inflação (sem preços de energia e alimentos) foi de apenas 4,3% na zona do euro, contra 6,3% nos EUA. Assim, 4,8 pontos percentuais de inflação na zona euro foram devidos a aumentos nos preços da energia e dos alimentos, contra 2 pontos percentuais nos EUA. Os dados sobre o mercado de trabalho indicam de forma semelhante um superaquecimento substancialmente menor na Europa do que nos EUA.

Isso explica por que o BCE apertou mais tarde e menos que o Fed –um aumento de 1,25 ponto percentual na taxa de intervenção, de menos 0,5%, no primeiro, contra um aumento de 3 pontos percentuais, de 0,25%, no segundo. No entanto, o BCE acertou ao também começar a normalizar a política monetária, em parte porque a política tinha sido tão agressiva e em parte porque precisava evitar que os efeitos dos choques nos preços fossem incorporados às expectativas. Suas ações também não foram prematuras: o Relatório de Estabilidade Financeira Global do FMI revela que as expectativas de inflação de muitos participantes do mercado já subiram para cerca de 4%.

No entanto, o BCE precisa ser cauteloso sobre com que rapidez e até onde ele se moverá. Uma razão para isso é que o choque de energia vai dar um poderoso impulso recessivo à economia. De fato, as recessões são altamente prováveis na zona do euro.

Outro motivo para cautela é a complexidade dos mecanismos de transmissão, conforme apresentado em discurso recente de Philip Lane, economista-chefe do BCE. Uma preocupação particular é a incerteza sobre as lacunas. É bem possível que a inflação global diminua rapidamente em breve porque os preços do gás estão caindo. Nesse caso, o principal impacto do aperto monetário de hoje pode ocorrer muito depois de as expectativas de inflação já terem se ajustado para baixo. De fato, é possível que a política monetária "normal" para a zona do euro permaneça muito frouxa, como era antes da Covid.

Uma preocupação particular são os spreads crescentes dos títulos de governos, que seriam então transmitidos aos mutuários nas economias mais vulneráveis. Até agora, esses spreads são muito menores do que durante a crise da zona do euro. Além disso, o BCE dispõe de vários instrumentos –por conta própria ou em cooperação com outras instituições, nomeadamente o Mecanismo Europeu de Estabilidade– para lidar com a fragmentação. Isso inclui o reinvestimento de ativos, um novo "instrumento de proteção de transmissão" e, se tudo o mais falhar, as "transações monetárias definitivas" desenvolvidas em 2012, após o discurso "seja o que for necessário" de Mario Draghi.

A implementação desses programas, no entanto, criará dificuldades conceituais, práticas e políticas, especialmente quanto à distinção entre iliquidez e insolvência. Em última análise, porém, é simples: ao longo dessas crises, a zona do euro tem que tratar todos os membros como se estivessem igualmente em forma, embora não estejam.

Isso vai dar certo? A melhor resposta é que tem que dar. A sobrevivência da União Europeia e, portanto, da zona do euro, seu núcleo econômico, é do interesse nacional e coletivo de seus membros. Eles enfrentam um inimigo brutal de seus princípios mais fundamentais no leste e os EUA imprevisíveis no oeste. A UE não deve apenas sobreviver, mas prosperar, se a própria Europa quiser fazê-lo. Como tem sido mostrado repetidamente desde a chegada da Covid, os países membros entendem isso, especialmente os mais importantes. Por mais desorganizadas e incompletas que sejam as estruturas da UE e da zona do euro, os membros devem se manter unidos nos bons e maus momentos. Agora vai ser dos últimos.

Isso significa muito mais do que garantir que o regime monetário funcione para todos. Significa também definir uma política energética comum, nomeadamente uma que acelere a transição para as energias renováveis; ajudar os Estados membros a proteger seus cidadãos contra o pior do choque energético, concordando com uma política comum para a Rússia de Vladimir Putin em conjunto com a Otan, moldando uma política comercial e econômica que gerencie as relações com a China, e até mesmo avançando para relações mais estáveis com o Reino Unido.

Os compromissos necessários para enfrentar o choque energético e a Guerra da Ucrânia serão dolorosos. Mas eles devem ser feitos. Sem a UE, os países membros estariam perdidos. Eles sabem disso e, tenho certeza, agirão de acordo com esse conhecimento. Dessas crises deverá emergir uma UE mais forte, porque não há alternativa.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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