Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Martin Wolf
Descrição de chapéu Financial Times Silicon Valley Bank

Quatro formas de resolver o problema dos bancos

Não está claro o quanto a crise atual será grave, mas uma reforma é urgente

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Financial Times

Os bancos são concebidos para quebrar. E é o que acontece com eles. Governos querem que eles sejam ao mesmo tempo locais seguros em que o público possa manter seu dinheiro e empresas que procuram lucros e correm riscos. Eles são, ao mesmo tempo, serviços públicos regulamentados e empresas que assumem riscos. Os incentivos dos gestores os inclinam a assumir riscos, da mesma forma que os incentivos do Estado o inclinam a salvar a empresa prestadora de serviços públicos quando assumir riscos a faz explodir. O resultado é uma instabilidade dispendiosa.

Se uma coisa é clara sobre os acontecimentos das últimas duas semanas é que as reformas muito alardeadas introduzidas depois da crise financeira mundial não mudaram tanto assim essa situação, ou pelo menos não a mudaram o bastante.

Sim, a alavancagem dos sistemas bancários caiu, da crise para cá. Mas permanece perigosamente elevada. De acordo com o Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, em 8 de março de 2023, a diferença entre o valor contábil dos ativos e passivos de dívida dos bancos comerciais norte-americanos era de US$ 2,137 trilhões. Essa porção dos ativos garantidos por ações tinha um valor hipotético de US$ 22,8 trilhões. Mas um documento recente sugere que as perdas de mercado já são de cerca de US$ 2 trilhões. Uma corrida geral aos bancos exporia essas perdas e exterminaria o capital. Para impedir que isso aconteça, as autoridades teriam de garantir todos os depósitos.

Agência do Credit Suisse em Milão, na Itália - Gabriel Bouys - 20.mar.2023/AFP

Palavras amáveis foram proferidas sobre a necessidade de uma resolução ordeira das falências de bancos, e sobre a necessidade de o capital acionário ser o primeiro na fila do prejuízo. Mas, na hora H, não foi isso que aconteceu na operação de resgate ao Credit Suisse. Os detentores de ações retiveram valor e o Estado também lhes ofereceu garantias indiretamente, ao garantir o UBS. No entanto, o ministro das Finanças suíço nos disse que "isso não é um resgate. É uma solução comercial". A verdade é que foi um resgate. E talvez prove ser a solução menos dispendiosa em termos gerais. Mas não era assim que o regime criado para gerir crises pós-2008 deveria ter funcionado. E não estou muito surpreso com isso.

No estágio atual, ainda não está claro até que ponto a crise vai ser grave. Mas já é evidente que as reformas realizadas depois da crise passada, embora bem melhores do que nada, não foram suficientes, especialmente depois de o governo Trump as ter adulterado. Elas não garantiram um sistema à prova de crises. Não proporcionaram uma forma suave de resolver a situação de um banco em crise, especialmente se a crise correr o risco de se tornar sistêmica.

Então, o que poderia ser feito? Há quatro abordagens gerais para uma reforma.

A primeira seria deixar prevalecer o mercado, como argumenta Ken Griffin, do grupo de investimento Citadel. Infelizmente, as funções dos bancos no fornecimento de dinheiro e crédito são demasiado vitais para permitir isso. O conceito de que a garantia governamental a depósitos cria riscos morais também é complicada. Os depositantes são incapazes de fiscalizar a solidez dos bancos em tempo real: a ausência de um seguro apenas os enervaria mais. Mas a existência da garantia é claramente um subsídio aos acionistas e assim encoraja uma maior alavancagem e a que os bancos corram riscos maiores.

Em segundo lugar, reforçar a regulamentação atual. Todos os bancos cujos depósitos estão seguros, em teoria ou na prática, precisam ser regulamentados da mesma maneira em termos de solidez de capital e de liquidez. A decisão de tirar o Silicon Valley Bank da rede regulatória que abrange bancos sistemicamente significativos foi um erro, porque qualquer coisa pode desencadear um pânico se número suficientemente grande de bancos tiver vulnerabilidades semelhantes.

Além disso, ao mesmo tempo em que as garantias a depósitos são estendidas, os prêmios dos seguros precisam subir, e ser vinculados às características de risco dos bancos, tais como a alavancagem. Os testes de estresse precisam voltar a ser universais, e brutalmente realistas quanto a todos os riscos, incluindo os de taxas de juros.

Em terceiro lugar, é preciso ir muito além das medidas habituais, para reforçar a robustez dos bancos. Uma recomendação era a de adotar alavancagem máxima de três para um, ante os 10 ou 20 para um hoje comuns. Uma proposta alternativa é forçar os bancos a serem financiados por títulos de dívida que se convertem automaticamente em títulos de capital à medida que o valor de mercado da empresa diminui. As ideias acima precisariam ser acompanhadas por contabilidade rigorosa por valor de mercado.

Uma proposta de Mervyn King, antigo presidente do Banco de Inglaterra, é que os bancos equiparem seus depósitos aos seus ativos líquidos. Estes últimos incluiriam um valor predeterminado de garantias contra empréstimos obtidos de financiadores de último recurso. Isso deveria garantir liquidez a todo momento. Por fim, os gestores de bancos falidos deveriam ser penalizados, para refletir a realidade de que bancos são empresas de serviços públicos.

Uma quarta ideia seria abandonar a tentativa de combinar o fornecimento de dinheiro com empréstimos de risco em um único tipo de negócio. Isso teria dois elementos complementares.

Os passivos para com o público que se supõe serem perfeitamente líquidos e resgatáveis por valor pleno ("dinheiro") deveriam ser equiparados um a um a ativos semelhantes. Isso poderia ser feito forçando os intermediários a manter reservas no banco central ou títulos de dívida governamentais igualmente líquidos. Esse é o famoso "Plano Chicago". Mas os membros do público também poderiam, agora, deter dinheiro no banco central diretamente, o que era impossível quando o acesso a bancos exigia redes de agências; hoje, seria possível para todos deter moedas digitais do banco central, que são perfeitamente seguras, em qualquer montante. Essa ideia tornaria o banco central o fornecedor monopolista de dinheiro na economia. A gestão do sistema de pagamento digital poderia então ser entregue a empresas de tecnologia. O dinheiro criado pelos bancos centrais poderia ser utilizado para financiar o governo (substituindo os títulos do governo) ou ser investido de outras formas.

Enquanto isso, a intermediação de risco poderia ser feita por fundos mútuos, cujo valor se movimentaria com o mercado. Ou, de forma menos radical, a intermediação poderia ser feita por instituições bancárias, mas instituições financiadas por uma mistura de ações, títulos e depósitos a prazo, e não depósitos à vista.

Ninguém está preparado para essas últimas abordagens, por enquanto. Mas a segunda e terceira precisam ser parte da agenda. Os bancos foram revelados como uma parte do Estado que posa como se fosse parte do setor privado. Eles no mínimo precisam ser muito mais robustos. O ideal seria que fossem radicalmente transformados.

Tradução de Paulo Migliacci

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