Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Martin Wolf
Descrição de chapéu Financial Times Silicon Valley Bank

Os bancos são projetados para quebrar, e eles quebram

O sistema é essencial para o funcionamento da economia, mas não funciona conforme suas regras

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Financial Times

Os bancos quebram. Quando o fazem, aqueles que poderão sofrer prejuízos gritam por um resgate do estado. Se os custos ameaçados forem suficientemente grandes, eles terão sucesso. Foi assim que, crise após crise, criamos um setor bancário que é na teoria privado, mas na prática tutelado pelo Estado. Este último, por sua vez, tenta conter o desejo dos acionistas e da administração de explorar as redes de segurança de que desfrutam. O resultado é um sistema essencial para o funcionamento da economia de mercado, mas que não funciona de acordo com suas regras. É uma bagunça.

O dinheiro é o material que se deve ter para comprar as coisas de que se precisa. Isso é verdade para famílias e empresas, que precisam pagar fornecedores e trabalhadores. É por isso que as falências de bancos são uma calamidade. Mas os bancos não são projetados para serem seguros.

Enquanto seus passivos de depósito deveriam ser perfeitamente seguros e líquidos, seus ativos estão sujeitos a riscos de vencimento, crédito, taxa de juros e liquidez. São instituições de bom tempo. Em tempos ruins, elas falham, pois os depositantes correm para a porta.

Fila de clientes do Silicon Valley Bank, na sede do banco, em Santa Clara, Califórnia - Brittany Hosea-Small - 13.mar.2023/Reuters

Com o tempo, as instituições estatais responderam à incapacidade dos bancos de fornecer o dinheiro seguro que seus depositantes esperam. No século 19, os bancos centrais tornaram-se credores de última instância, embora supostamente cobrando uma taxa de juros. No início do século 20, os governos garantiam depósitos menores.

Então, na crise financeira de 2007-09, eles efetivamente colocaram todo o seu balanço patrimonial nos bancos. O sistema bancário como um todo tornou-se, inequivocamente, parte do Estado. Em troca, os requisitos de capital foram aumentados, as regras de liquidez foram reforçadas e adotaram-se os testes de estresse. Tudo então estaria bem. Ou não.

A falência do Silicon Valley Bank mostra que há buracos no dique regulatório dos Estados Unidos. Isso não é por acaso. É o que os lobistas pediam: eliminem as regulamentações onerosas, eles gritavam, e faremos milagres de crescimento. No caso desse banco, o que chama a atenção é a aposta em depósitos não garantidos e a aposta em títulos de longa duração supostamente seguros.

No final de 2022, tinha US$ 151,6 bilhões em depósitos domésticos não segurados, contra cerca de US$ 20 bilhões em depósitos segurados. Também tinha perdas não realizadas substanciais em sua carteira de títulos, à medida que as taxas de juros subiam. Junte essas duas coisas e uma corrida tornou-se provável: os ratos sempre abandonarão os navios financeiros que estão afundando.

Aqueles que não conseguirem escapar a tempo gritarão por socorro. Pode ser divertido que os que gritam por resgate desta vez sejam os libertários do Vale do Silício. Mas poucas pessoas são capitalistas quando ameaçadas de perder dinheiro que consideravam seguro, e ninguém é melhor que um capitalista para explicar como sua riqueza é essencial para a saúde da economia. Os depositantes não segurados foram devidamente socorridos no SVB e em outros lugares. Isso remove mais uma fonte de disciplina do setor privado sobre os bancos.

No entanto, o SVB era apenas o 16º banco dos Estados Unidos. É por isso, afinal, que ficou fora da rede regulatória aplicada aos bancos sistemicamente mais importantes. Foi convenientemente desimportante na vida, mas tornou-se sistemicamente importante na morte. O Federal Reserve também se ofereceu para emprestar pelo valor nominal aos bancos que precisam de liquidez.

Estes são "cortes de cabelo" negativos –chame-os de "enxertos de cabelo"– para bancos que precisam de empréstimos de emergência. Além disso, o presidente Joe Biden afirmou que "faremos o que for necessário". É verdade que, desta vez, os acionistas e detentores de títulos não estão sendo socorridos. Além disso, as perdas supostamente serão suportadas pelo setor bancário como um todo. No entanto, as perdas são novamente parcialmente socializadas. Alguém duvida que a socialização se aprofundará se a crise também o fizer?

Naturalmente, as pessoas se perguntam o que significa esse novo choque. Alguns analistas acreditam que o Fed não vai mais apertar a política monetária este mês. O que está claro é que há muita incerteza, o que pode justificar o atraso de um novo aperto. Mas reduzir a inflação continua sendo essencial: o índice de preços ao consumidor dos Estados Unidos subiu 6% ano a ano em fevereiro.

No momento, porém, a grande questão não é o que vai acontecer com a economia, mas o que vai acontecer com as finanças. Um ponto positivo é que o medo se reacendeu no sistema financeiro. A ansiedade criada por pequenos choques torna as grandes crises menos prováveis. Há outras lições: os bancos continuam vulneráveis a corridas como sempre e, goste ou não, os depositantes não segurados não serão eliminados em uma falência. A confiança de que os depósitos são seguros é muito importante, econômica e politicamente.

Então, como essa nova evidência de até que ponto o estado apoia os bancos, mesmo em tempos relativamente normais, pode se refletir na política? Uma resposta simples é que a regulação de bancos sistemicamente significativos deve ser estendida a todo o sistema. Outra é que os depósitos devem ser colocados acima de todas as outras dívidas em uma insolvência, para refletir sua importância social e econômica. Outra ainda é que os balanços devem sempre refletir as realidades do mercado. Finalmente, os requisitos de capital devem ser ajustados em conformidade. Se o capital dos bancos cair muito, nas avaliações de mercado, deve ser aumentado rapidamente.

A lição fundamental que temos de reaprender é que, mesmo numa crise modesta, os depósitos não podem ser sacrificados e as regras sobre cortes de cabelo para provisão de liquidez serão descartadas. Os bancos são tutelados pelo estado em parte porque estão no coração do sistema de crédito, mas ainda mais porque seus depósitos passivos são politicamente importantes. O casamento de ativos arriscados e muitas vezes ilíquidos com passivos que precisam ser seguros e líquidos dentro de instituições subcapitalizadas, lucrativas e pagadoras de bônus, reguladas por setores públicos politicamente subservientes e muitas vezes incompetentes, é uma calamidade pronta para acontecer.

A banca precisa de uma mudança radical. Na próxima semana, discutirei como entregar isso.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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