Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Descrição de chapéu Financial Times juros

Japão, Alemanha e o desafio do excesso de poupança

Tóquio está encurralada para administrar essa questão estrutural

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O Japão abandonará suas políticas monetárias ultrafrouxas agora que Kazuo Ueda substituiu Haruhiko Kuroda como chefe do Banco do Japão? A resposta, ao que parece, é "não". O novo líder, um conhecido e respeitado economista acadêmico, enfatizou que os dois pilares da atual política monetária do Japão –taxas de juros negativas e controle da curva de juros– continuam adequados. Ele também estava certo em manter essas políticas? No geral, minha resposta é "sim". Não porque não haja riscos, como Robin Harding argumentou na semana passada. Mas porque as alternativas também são arriscadas.

Mesmo que se ignorem as compras de ativos do Banco do Japão (ou "flexibilização quantitativa") e a política mais recente de controle da curva de rendimentos, permanece o fato impressionante de que sua taxa de intervenção em curto prazo tem sido de 0,5%, ou menos, desde 1995. Quantos economistas teriam imaginado que um país poderia executar uma política monetária tão acomodatícia por quase três décadas e ainda assim continuar preocupado com a demanda fraca e a inflação baixa?

Um pedestre passa pelo complexo da sede do Banco do Japão (BoJ), em Tóquio - AFP

Esse é claramente um fenômeno estrutural profundamente arraigado. Mas o que o causou? A resposta é o excesso crônico de poupança. O Japão não é a única grande economia de mercado com um forte setor manufatureiro e excesso de poupança estrutural. A outra é a Alemanha. Mas a Alemanha teve uma resposta que o Japão não tem: o euro.

A poupança bruta do setor privado do Japão atingiu uma média extraordinária de 29% do PIB entre 2010 e 2019 (antes dos choques da Covid e da Guerra da Ucrânia). Isso estava bem acima dos 25% da Alemanha e muito acima dos 22% dos EUA e dos absurdamente baixos 15% do Reino Unido. O setor privado do Japão também investiu (provavelmente) excessivos 21% do PIB. No entanto, isso ainda deixou uma poupança excedente de 8% do PIB. O superávit de poupança privada da Alemanha foi em média de 6% do PIB, o dos EUA de 5% e o do Reino Unido, próximo de zero.

Na economia como um todo, a poupança deve ser igual ao investimento, quando se incluem o governo e os estrangeiros. A questão é como esse equilíbrio é alcançado e, fundamentalmente, como Keynes nos ensinou, em que níveis de atividade econômica. Com uma recessão suficientemente grande, os lucros (e, portanto, as economias corporativas) presumivelmente entrariam em colapso. Mas teria que ser um colapso enorme. Em todos os anos de 2000 a 2020, incluindo recessões, os lucros retidos das empresas japonesas excederam 20% do PIB. Da mesma forma, com uma recessão suficientemente grande, a poupança das famílias entraria em colapso. Mas se tal recessão ocorresse o investimento também entraria em colapso. O resultado seria uma grave depressão.

Nenhum formulador de políticas são tentaria eliminar o excesso de poupança por meio de uma crise. Em vez disso, escolheria políticas voltadas para absorver a poupança em investimentos produtivos ou reduzir a propensão do país a poupar.

Uma maneira sensata de pensar sobre o que os formuladores de políticas japoneses têm feito desde o fim da fase de alto investimento na recuperação da economia japonesa do pós-guerra, no início dos anos 1990, é o seguinte: eles estão tentando sustentar a demanda agregada no contexto do enorme excedente de poupança do setor privado. Essa é outra maneira de dizer que eles estão tentando escapar da deflação, que, se não fossem seus esforços, provavelmente teria sido muito mais profunda do que foi.

Taxas de juros ultrabaixas se destinam, por exemplo, a aumentar o investimento privado e reduzir a poupança privada. Mas, na prática, o superávit da poupança privada, especialmente o superávit corporativo, permaneceu enorme. A política monetária frouxa facilitou a absorção crucial (e compensação) do excesso de poupança privada por meio do excesso de investimento do governo sobre a poupança. Esses déficits foram em média de 5% do PIB de 2010 a 2019. Finalmente, uma média de 3% do PIB foi para a aquisição líquida de ativos estrangeiros por meio dos superávits em conta corrente do Japão.

Haveria outras formas de administrar o problema estrutural de superávit de poupança que o Japão vem sofrendo há uma década (e, não por coincidência, a China também vem sofrendo cada vez mais)? Sim, havia três caminhos alternativos.

Um deles é o da Alemanha: sua aquisição líquida de ativos estrangeiros foi em média de 7% do PIB de 2010 a 2019. Isso permitiu que os setores público e privado tivessem superávits de poupança, ao mesmo tempo em que equilibravam a oferta e a demanda agregadas em níveis razoavelmente altos. Há duas razões pelas quais essa abordagem teria sido difícil de ser copiada pelo Japão. Uma delas é que os superávits comerciais teriam colidido com o mercantilismo americano. A outra é que teria havido forte pressão de alta na taxa de câmbio do iene, agravando as forças deflacionárias no Japão. De fato, se o euro não existisse, as crises monetárias no mecanismo da taxa de câmbio certamente teriam forçado enormes reavaliações do marco alemão, lançando a economia alemã na deflação e na política monetária ultrafrágil, qualquer que fosse a vontade do Bundesbank.

A segunda alternativa são as políticas estruturais destinadas a reduzir a parcela extraordinariamente alta dos lucros corporativos retidos (ou poupança corporativa) na economia. Este é essencialmente um problema distributivo: os salários são muito baixos e os lucros, muito altos. A maneira mais simples de corrigi-lo é aumentar a alíquota do imposto sobre os lucros corporativos, ao mesmo tempo em que se permite a contabilização total dos investimentos. Outras formas poderiam ser encontradas, como a distribuição de lucros aos funcionários. Mas o objetivo seria claro: transferir os lucros excedentes para o consumo.

A terceira alternativa seria deixar os problemas estruturais intocados, apertar as políticas monetária e fiscal e deixar os japoneses juntarem os cacos. Isso é "liquidacionismo". Está virando moda hoje em dia. Também é uma absurda irresponsabilidade. Enquanto o Japão continuar incorrendo em enormes excessos de poupança do setor privado, a política terá de encontrar meios de reduzi-los ou compensá-los. A economia do Japão continua encurralada. Não tem uma saída fácil.

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