Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Martin Wolf
Descrição de chapéu Financial Times inflação juros

Política monetária não é única responsável pela atual crise bancária

É falacioso supor que há solução simples para falhas de sistemas financeiros e economias

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Então, quem, ou o quê, é responsável? Por que, 15 anos depois do início da última crise financeira, talvez estejamos vendo o começo de outra?

Para muitos, a culpa é de um longo período de taxas de juros muito baixas impostas pelos bancos centrais. Para outros, o problema está no culto às operações de resgate.

Não precisamos procurar muito longe para encontrar as origens intelectuais desses pontos de vista. Elas estão na escola econômica austríaca. Como aponta Brad DeLong em seu excelente livro "Slouching Towards Utopia", a posição é a de que "o mercado dá, o mercado tira; bendito seja o nome do mercado". Os austríacos não estão completamente errados, mas tampouco estão completamente certos.

A essência do argumento é que a crise financeira transatlântica de 2007-2015 foi produto de uma política monetária excessivamente frouxa. Consequentemente, tal política, somada às operações de resgate, frustrou a destruição criativa que teria restaurado a saúde da economia de maneira mais vigorosa.

Sede do Fed (Federal Reserve, o banco central americano), em Washington - Jonathan Ernst - 31.jul.2013/Reuters

Por fim, depois da Covid, outra explosão de políticas monetárias demasiadamente frouxas, combinada a políticas fiscais agressivas, causou inflação elevada e fragilidade financeira ainda maior. Agora, é hora de pagar o preço.

A história é simples. Mas está errada.

Principiemos pelo período que antecede a crise financeira. O Reino Unido vinha emitindo títulos públicos vinculados a índices desde o começo da década de 1980. A característica mais notável da série é a enorme queda nos rendimentos reais: de um pico de 5% em 1992 para 1,2% em 2006, e depois 1,4% negativo em 2013 e 3,4% negativos em 2021.

Os bancos centrais sozinhos, por mais insanos que pudessem ter sido, não conseguiriam produzir mais de oito pontos percentuais de queda nas taxas de juros reais ao longo de três décadas. Se essa enorme queda fosse incompatível com as necessidades da economia, com certeza teríamos visto uma alta da inflação.

O que estava acontecendo, então? As grandes mudanças de fundo foram a liberalização financeira, a globalização e a entrada da China na economia mundial. Essas duas últimas não apenas baixaram a inflação. Elas também introduziram na economia mundial um país com um excedente de poupança gigantesco.

Além disso, o aumento da desigualdade nos países de alta renda, combinado com o envelhecimento das populações, criou enormes poupanças excedentes em alguns deles, especialmente na Alemanha.

Com isso, para equilibrar a procura e a oferta mundiais, tornou-se necessário um investimento excepcional alimentado a crédito, principalmente em habitação. Feliz ou infelizmente, a liberalização financeira facilitou esse boom do crédito.

Tudo isto explodiu na crise financeira. A decisão tomada naquele momento foi a de não permitir uma nova Grande Depressão. Não me arrependo do meu apoio a essa decisão, evidentemente sensata, mas dadas as realidades da economia mundial e o impacto da crise, surgiu em seguida a necessidade de ou uma sustentação fiscal contínua ou uma política monetária muito frouxa. A primeira possibilidade foi descartada. Portanto, só restava a segunda.

Os dados sobre a base monetária mostram por que tanto as taxas de juros muito baixas quanto o relaxamento quantitativo eram vitais.

Depois da crise financeira, houve períodos prolongados em que a contribuição privada para o crescimento da base monetária foi negativa porque o crédito estava em contração. Se as taxas de juros tivessem sido mais altas e e os bancos centrais não tivessem expandido a base monetária, como fizeram, a massa monetária teria entrado em colapso.

Não acredito em nossa capacidade de estabilizar a procura por meio da estabilização da oferta monetária, mas deixá-la implodir é outra questão. Milton Friedman teria considerado essenciais as ações dos bancos centrais para estabilizar o crescimento da base monetária ampla depois da crise financeira. Eu compartilho da mesma opinião.

Depois veio a Covid. Àquela altura, as autoridades monetárias e fiscais cometeram erros, que mais tarde descobrimos terem sido graves. O crescimento monetário explodiu. De acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional), o déficit fiscal estrutural das grandes economias do G7 também subiu em 4,6 pontos percentuais entre 2019 e 2020 e quase não diminuiu em 2021.

Essa combinação alimentou um aumento da procura superior ao que a oferta poderia satisfazer, tendo em conta os repetidos lockdowns na China e a Guerra da Ucrânia. O resultado disso foi uma alta da inflação, que esperamos seja temporária, e uma subida nas taxas de juros, o que causou novo choque no nosso frágil sistema bancário.

Em resumo, os bancos centrais não foram os titereiros malignos que alguns gostam de imaginar, mas fantoches sob o controle de forças mais poderosas.

Sim, cometeram erros. Talvez a política monetária devesse ter "resistido mais ao vento" antes da crise financeira, o relaxamento quantitativo tenha terminado um pouco cedo demais depois da crise, e o apoio monetário tenha sido foi retirado mais rápido do que deveria em 2021. No entanto, dado o nosso sistema financeiro liberalizado e os enormes choques na economia mundial, sou cético quanto a alguma dessas coisas poder ter feito grande diferença. As crises eram inevitáveis.

Certamente, a legião de críticos precisa explicar exatamente o que teriam recomendado como alternativa e que efeitos esperariam de suas propostas.

Precisamos de propostas alternativas específicas e quantificadas. Até que ponto as taxas de juros deveriam ter sido aumentadas? Qual seria o tamanho do colapso financeiro, recessão econômica e alta do desemprego que teríamos depois da crise financeira? Por que eles imaginam que as empresas teriam investido mais se as taxas de juro tivessem sido mais altas? Mesmo que a produtividade tivesse sido aumentada através do abate de empresas zumbis, por que isso teria sido positivo, se os custos incluíssem uma queda na produção por período prolongado?

Como todas as instituições humanas, os bancos centrais são imperfeitos e por vezes incompetentes, mas não são loucos.

A opinião de que tudo o que vem correndo mal em as nossas economias nas últimas décadas se relaciona acima de tudo a uma política monetária frouxa não tem substância. Depende da ilusão de que existe uma solução simples para as falhas de nossos sistemas financeiros e das economias reais. As coisas não seriam maravilhosas se os bancos centrais tivessem ficado de braços cruzados. Não podemos abolir a política democrática. A política econômica precisa ser adaptada ao nosso mundo, e não ao século 19.

Tradução de Paulo Migliacci

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