Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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O Manual da Geringonça

Governo de esquerda de Portugal é revolucionário porque é civilizatório

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António Costa usa terno preto, camisa branca e gravata azul. Ele sorri, enquanto passa por uma calçada em que há flores coloridas ao fundo: amarelas-ouro à esquerda, roxas no meio e amarelas-canário à direita
O primeiro-ministro de Portugal, António Costa, chega à sede do governo britânico em Londres para reunião com Theresa May - Hannah McKay - 10.abr.18/Reuters

Logo depois da Revolução dos Cravos, em 1974, alguns aprendizes revolucionários franceses frustrados com os descaminhos do Maio de 1968 foram para Portugal doutrinar a juventude recém-escapada do obscurantismo salazarista.

Nos dias que correm, os portugueses formam brasileiros na arte da união das esquerdas, à imagem de Boaventura de Sousa Santos em conversa com a excelente Fernanda Mena nesta Folha.

Curioso ver um intelectual conhecido pela sua posição ambígua em relação a Venezuela e Nicarágua enaltecer o governo de Portugal, também conhecido como Geringonça. Afinal, ele é um arquétipo da esquerda pragmática.

A união das esquerdas lusitanas parecia tão próxima como impossível às vésperas da eleição de 2015. A fratura aberta entre sociais-democratas e comunistas no chamado verão quente de 1975, quando Portugal balançava entre soviéticos e europeístas, era dada como insuperável.

Porém, a ameaça de uma derrota histórica empurrou o Partido Socialista, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista para a mesa de negociações. Líder dos socialistas e atual primeiro-ministro, António Costa teve um papel central na costura do acordo.

Filho de comunistas que lutaram contra a ditadura, mestre em direito europeu, próximo da chanceler alemã, Angela Merkel, desde quando ambos eram jovens ministros, Costa é o tipo de cara "que não se esconde debaixo da mesa quando os comunistas dão um murro em cima dela", como dizia o francês François Mitterrand, presidente socialista, a respeito do seu chefe de governo e ex-trotskista Lionel Jospin.

Graças a Costa, a Geringonça, composta na sua maioria por militantes revoltados contra as exigências escorchantes infligidas pelas autoridades europeias durante a crise da divida pública portuguesa, nunca se rebelou contra o sistema europeu e internacional.

Preferiu, pelo contrário, participar da sua construção institucional, obtendo as indicações do seu ministro da Fazenda Mário Centeno para o grupo de ministros das Finanças da da zona do euro, o coração do sistema financeiro europeu, de António Vitorino para a Organização Internacional para as Migrações (OIM), e de António Guterres para secretário-geral da ONU.

Se os governos europeus têm margem de manobra limitada para alterar a politica econômica, o mesmo não se pode dizer sobre os sistemas políticos. Nos últimos anos, líderes da Polônia e Hungria colocaram de volta regimes iliberais no coração da Europa.

A Geringonça aproveitou esse clima de retrocesso para promover Portugal como um enclave progressista, livre de nacionalistas, xenófobos e separatistas. E numa inesperada reviravolta, o país passou da crise ao milagre econômico.

A proposta da Geringonça é revolucionária porque é civilizatória. Ela entende que a reafirmação da democracia e a inserção internacional são a melhor forma de contrapor a extrema-direita.

A esquerda brasileira deve seguir esse roteiro. Isso passa por dispensar os conselhos de aprendizes revolucionários, criticar a deriva autoritária de seus aliados, e assumir plenamente os valores que sempre nortearam as mais exitosas experiências governativas da esquerda.

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