A violência entre polícia e manifestantes em Paris atingiu novo ápice entre a noite de sexta-feira (10) e a madrugada deste sábado (11), aprofundando a pressão sobre o governo do presidente Charles de Gaulle1.
1) General e líder da resistência francesa ao nazismo, chefiou governo provisório entre 1944, ano da libertação do país pelos aliados, e 1946. Depois, presidiu a França de 1959 a 1969. Morreu em novembro de 1970, aos 79 anos
Em uma noite em que "viram-se coisas nunca vistas", na definição do chefe de polícia, Maurice Grimaud2, estudantes tocaram fogo em carros e ergueram barricadas contra as autoridades a partir de paralelepípedos arrancados das vias do Quartier Latin, bairro universitário da capital francesa. Agressões partiram dos dois lados.
2) Grimaud teve papel crucial para controlar excessos das forças policiais e evitar um banho de sangue naquele maio. Morreu em 2009, aos 95 anos, recebendo homenagens dos ex-estudantes
O saldo oficial da "noite das barricadas" foi de 367 feridos, dos quais 251 policiais e 116 manifestantes. Ao menos 60 veículos foram incendiados e 128 foram danificados. Mais de 400 pessoas foram detidas.
O confronto começou durante protesto a princípio pacífico, com público estimado entre 20 mil e 50 mil pessoas, que partiu da praça Denfert-Rochereau, ao sul de Paris, em direção ao Quartier Latin.
O ato se soma à série de manifestações e confrontos que têm ocorrido na cidade —e se espalhado pela França— para exigir a reabertura da Sorbonne, coração do ensino superior francês, fechada devido à onda de distúrbios.
Desde o início deste mês, a temperatura dos protestos tem se elevado, com o envolvimento de outros grupos (secundaristas e sindicatos) e a multiplicação de pautas.
Reivindicações específicas do meio universitário, como participação em decisões e até o fim do veto ao acesso dos alunos aos dormitórios das alunas, passaram a dividir espaço com contestações amplas da sociedade de consumo, da política externa dos EUA, da moral burguesa e da ordem capitalista.
Ao avançar na noite de sexta-feira em direção à Sorbonne, os estudantes foram barrados por bloqueios policiais que impediam o acesso à margem direita do rio Sena, onde ficam a Champs-Élysées e outras regiões ricas de Paris.
Os estudantes responderam firmando posição no bairro universitário, alguns sentados na rua e outros montando as barricadas e lançando pedras contra a polícia, que respondeu com bombas de gás lacrimogêneo.
Assim como na França, o discurso revolucionário da juventude das ruas julgou excessivamente conciliador o discurso dos partidos comunistas históricos, o que gerou posteriormente a criação de grupos extremistas como as Brigadas Vermelhas italianas e o grupo Baader-Meinhof, na Alemanha, que praticariam atos de violência.
No Brasil, o governo militar ainda estava às voltas naquele maio com protestos após a morte do estudante Edson Luiz de Lima Souto pela PM no Rio, ocorrida em março.
Em junho, lembra Zuenir Ventura em "1968 — O Ano que Não Terminou", a França ecoava em declaração do presidente Costa e Silva: "Enquanto eu estiver aqui, não permitirei que o Rio se transforme em uma nova Paris". O ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho, afirmou: "O Tietê não é o Sena".
O líder estudantil Luís Raul Machado respondeu: "Os generais podem estar tranquilos que não se repetirá aqui o que houve na França. Vai ser muito pior".
Não faltaram protestos e batalhas campais naquele ano para lembrar o país europeu, mas a reação do governo deixou claras as armas à disposição de uma ditadura latino-americana, sendo a mais decisiva delas a edição do AI-5, em dezembro daquele ano.
Cronologia
22.mar Estudantes ocupam a Universidade de Nanterre, levando à suspensão de suas atividades
3.mai Protesto na Sorbonne faz reitoria convocar a polícia, fechando suas portas. Atos se repetem nos dias subsequentes
10-11.mai Na "noite das barricadas", confronto entre estudantes e policiais atinge pico. Governo responde em tom conciliatório
13.mai Paralisações levam mais de 1 milhão às ruas. Protestos e episódios de violência continuam nos dias seguintes
27.mai Fim das negociações com sindicatos, nas quais governo concede aumentos e benefícios aos trabalhadores
30.mai Em discurso, De Gaulle diz que não sai do cargo, convoca eleições legislativas e afirma que a França está "ameaçada de ditadura" pelo "comunismo totalitário". Apoiadores do presidente saem às ruas de Paris, aos gritos de "De Gaulle não está só" e "Cohn-Bendit em Dachau", em referência ao campo de concentração nazista
23-30.jun Eleições dão ampla vantagem à coalizão liderada por De Gaulle
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