Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Vistas como panaceia, primárias estão na origem de desilusões e embaraços

Na era dos populistas, gritaria das prévias agrava o clima de desorientação

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O candidato Jilmar Tatto (PT) finalmente encontrou uma forma de tirar a sua campanha do marasmo. No final da semana passada, ele sugeriu a possibilidade de organizar uma prévia entre ele, Guilherme Boulos (PSOL) e Orlando Silva (PC do B) para definir o candidato da esquerda em São Paulo. O rompimento de um tabu histórico suscitou reações entusiásticas de todos os lados.

Ainda não está claro se o movimento de Tatto é um grande mal-entendido provocado por uma frase mal interpretada, uma tentativa de saída honrosa, ou até um astuto estratagema para dar novo impulso à sua candidatura.

Em todo o caso, é sempre um bom momento para questionar as prévias, essa boa má ideia.

Vista como a panaceia para renovar a classe política e os partidos no começo do século, as prévias entre formações do mesmo campo estão na origem de inúmeras desilusões e embaraços.

As prévias da centro-esquerda francesa, organizadas em 2012 e 2017 pelo Partido Socialista junto com os seus aliados tradicionais, ajudaram a criar uma leva de candidatos medíocres e pouco competitivos.

Ironicamente, o partido acabou destruído por Emmanuel Macron, um ex-socialista que se recusou a entrar na disputa.

O espetáculo da união na convenção do Partido Democrata americano tinha como único objetivo ocultar uma primária desastrosa.

Em meio a pesadelo logístico, um batalhão de candidatos se agredia em debates incompreensíveis. Tudo caminhava para uma final traumática entre Joe Biden e Bernie Sanders, um independente que só se juntou ao partido por obrigações legais.

Não é exagero afirmar que a pandemia salvou os democratas da autocombustão.

Na era dos populistas, designados em cerimônias triunfais por militantes bovinos, a gritaria das prévias agrava o clima de confusão e desorientação. O PT já deu mostras da baixaria que poderiam se tornar as prévias da esquerda.

Nas últimas semanas, Tatto vem tentando criar uma falsa oposição entre militantes e intelectuais para caricaturar Boulos como o candidato das elites. Uma estratégia característica dos demagogos, indigna do partido de Paul Singer e Marilena Chauí, construído em torno dos valores da diversidade social e pluralidade ideológica.

O foco deve ser a oposição incondicional ao governo. O ativista russo Alexei Navalni, envenenado até as tripas por interesses nada obscuros, defende o conceito do voto inteligente: face à ameaça autoritária, a oposição deve apoiar o candidato com maiores chances de confrontar o regime no poder. Navalni viajou do Cáucaso ao extremo leste, passando pela Sibéria, com uma única obsessão: nacionalizar todos os pleitos locais.

Uma tática também usada na Turquia e Hungria que, de certa forma, estava sendo adotada organicamente pelos eleitores da esquerda na capital paulista.

Afinal, o movimento a favor do Guilherme Boulos tem dois sentidos: protestar contra a resistência à Frente Ampla pelo PT e concentrar os votos no candidato com melhores chances de nacionalizar as municipais.

Esses objetivos já foram atingidos. A pressão cívica obrigou o PT a sair da trincheira e Boulos emergiu como o candidato natural do seu campo. Essa dinâmica prolífica não pode ser interrompida pelas manobras atrapalhadas de uma candidatura naufragada.

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