Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Mathias Alencastro
Descrição de chapéu desmatamento

O que move Macron e as lideranças europeias é a conscientização da opinião pública

Além do protecionismo econômico e eleitoral, o Brasil tem de lidar com um terceiro protecionismo: o carismático

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Face ao esperado aumento da pressão da UE e dos Estados Unidos sobre o Brasil na questão ambiental, o governo Bolsonaro voltou a recorrer ao bom e velho argumento do protecionismo. Para o vice-presidente Hamilton Mourão as declarações de Emmanuel Macron sobre a produção de soja brasileira “externam interesses políticos de agricultores franceses”.

A repetição desse clichê revela o despreparo de uma geração de políticos brasileiros para lidar com a nova realidade do comércio mundial. Nos longínquos anos 1970, quando Mourão forjara a sua visão do mundo e o Brasil enfrentara as primeiras pressões internacionais, a agricultura era, de fato, um dos motores da economia francesa.

De lá para cá, ela passou a representar menos de 5% da força de trabalho, contra 30% em 1970. A agricultura continua relevante simbolicamente —o abandono da “Velha França” é uma bandeira da extrema direita e um objeto de fantasia da literatura contemporânea. Mas a agricultura, por sinal um dos raros setores em crescimento, perdeu grande parte do seu capital político.

O que move Emmanuel Macron e as lideranças europeias é a conscientização da opinião pública. Os relatórios da Comissão Europeia e do Banco de Investimento Europeu apontam que a porcentagem de europeus preocupados com o aquecimento global não apenas cresceu exponencialmente nos últimos 30 anos, atingindo 92% em 2018, como também passou a orientar as preferências políticas.

Isso se reflete no crescimento dos partidos verdes e na apropriação da agenda ambiental por movimentos de todo o espectro político. Os verdes desempenham um papel central no Parlamento Europeu e serão atores incontornáveis nas próximas eleições na França e Alemanha.

A agenda contra o agronegócio brasileiro será sempre um bom negócio. A produção regional de soja representa menos de 3% da agricultura europeia e deve crescer 40% nesta década. Mas esse é um fator secundário perto da importância que o tema ambiental ganhou na política eleitoral do continente.

Além do protecionismo econômico e eleitoral, o Brasil tem de lidar com um terceiro protecionismo: o carismático. O setor produtivo brasileiro é vítima colateral da impopularidade dos populistas tropicais na Europa. Pesquisas de opinião deixam claro que o governo Donald Trump relançou a animosidade contra os Estados Unidos, atenuado durante os anos Obama. Uma nova leva de lideranças aproveitou a deixa.

O sucessor de Angela Merkel nas fileiras centristas e conservadoras alemães, Armin Laschet, deixou claro no seu primeiro discurso que o eixo de cooperação com Washington faz parte do passado e defendeu a abertura pragmática para a Turquia, China e Rússia.

Num futuro próximo, quando a UE completar a sua guinada asiática, só a modesta Península Ibérica continuará defendendo o aprofundamento da cooperação com a América Latina. Enquanto a oportunidade histórica para um acordo entre o Mercosul e a Europa desaparece no horizonte, a classe política brasileira continua vivendo num mundo velho como a Guerra Fria.​

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