Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mathias Alencastro

O futuro do ciclo Brasil-China

Para manter competitividade do agro, Brasil precisa de nova política externa

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

As análises sobre as tensões entre China e Brasil ligadas às importações de proteína privilegiam fatores como os problemas sanitários e a desastrosa diplomacia brasileira. No entanto, olhando além das contingências, é possível perceber que o ciclo dourado, que levou o governo Bolsonaro a vender a ilusão de uma interdependência, pode ter os seus dias contados. A inflação da carne suína na China atingiu 112% entre 2019 e 2020, e superou os dois dígitos durante quase todo o ano de 2020.

O movimento combinado de abandono das zonas rurais, crescimento da população urbana e formação de uma classe média (ela deve superar 800 milhões de pessoas em 2030) transformou o déficit estrutural da agricultura em uma das ameaças mais urgentes para a estabilidade do Estado chinês. Obcecada em consolidar a sua autonomia e traumatizada pela gripe suína que matou 40% do seu rebanho, a China desenvolveu uma estratégia em dois movimentos.

0
Açougueiro manipula peças de carnes em estabelecimento comercial especializado em carnes. - Marcelo Justo/UOL/Folhapress
No primeiro deles, ela busca consolidar o seu mercado interno e diversificar os seus parceiros comerciais. O Brasil é visto como um aliado de transição, que ajuda na competição com os Estados Unidos, e dá tempo à indústria chinesa para modernizar a sua cadeia de suprimentos.

No segundo, ela tenta escapar da armadilha demográfica. A idade mediana da população chinesa deve superar os 50 anos em 2050, acima da europeia e americana, o que significa que a China envelhecerá antes de se tornar rica.

Para suprir esse grave problema, Pequim está se virando para a África, onde a mão de obra disponível deve superar a da China e da Índia juntas em 2034. Os números mostram que os africanos estão ajudando a China a fazer a transição de fábrica do mundo para maior mercado de consumidores.

Desde 2000, o comércio bilateral entre a China e diferentes Estados do continente africano foi multiplicado por 20 e o investimento privado direto por 100. O estoque de investimento chinês já representa 20% do crescimento da região. Como o Brasil está se preparando para participar no novo comércio sino-africano?

O agronegócio brasileiro viveu uma era de crescimento rápido, expansão de mercado e fraco ambiente regulatório. Mas a pandemia e o imperativo da retomada verde colocaram o setor na linha de mira das superpotências. Os meses pós-Cop devem ser marcados por uma ofensiva sem precedentes dos Estados Unidos e da União Europeia contra o desmatamento brasileiro.

Em suas importantes colunas, Candido Bracher destacou o papel central das mentes abertas do agronegócio, que acreditam na sua sustentabilidade, e Marcelo Leite sublinhou o imperativo da modernização para manter a competitividade. Mas o vanguardismo dos empreendedores e as medidas setoriais podem ainda não ser suficientes.

O agronegócio sustentável precisa de uma nova política externa que assegure a sua inserção internacional. Sem ela, será melhor começar a construção do Museu da Soja, que ficará bem ao lado do Teatro de Manaus, símbolo de outro ciclo estancado, o da borracha, e do tempo em que os governantes não pensavam no lugar do Brasil no mundo do futuro.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.