Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Descrição de chapéu Globo

Globo convida espectador a colaborar, mas recebe resposta inesperada

Crédito: Reprodução Globo lança a ação '"Que Brasil você quer para o futuro?
Globo lança a ação '"Que Brasil você quer para o futuro?'

A telefonia móvel e as redes sociais ajudaram a aproximar os espectadores das emissoras de televisão. Entre fascinadas e assustadas com as possibilidades cada vez maiores de interação, as empresas vêm adotando diferentes iniciativas no esforço de "dar voz" ao "amigo internauta".

Muitas são risíveis e provincianas, como a reprodução de elogios a apresentadores de jornais locais ou, como faz o "Bom Dia SP", da Globo, com a divulgação de vídeos de espectadores saudando o próprio programa.

Também há quem aposte na confusão, como sempre faz Xuxa, na Record, ao festejar a repercussão de seu programa no Twitter como se fosse sinônimo de audiência no Ibope –bastam 5.000 comentários para algum assunto se tornar "quente" nesta rede social.

Há duas semanas, a Globo deu início, em tom de competição, a uma nova ação junto ao público. Ela se intitula "Que Brasil você quer para o futuro?" e está sendo promovida em todos os telejornais, tanto nacionais quanto locais.

A emissora está convidando os espectadores a enviar vídeos com uma mensagem de 15 segundos respondendo a esta questão. Repórteres, diariamente, explicam "o que você deve fazer para que o seu vídeo seja melhor e represente a sua cidade".

"Nós queremos ouvir o desejo de cada um dos 5.570 municípios do Brasil", explicou o repórter Marcelo Canellas. "O país inteiro vai dar o seu recado nos nossos telejornais. E você pode ser o porta-voz da sua cidade gravando um vídeo no seu celular. Você deve se posicionar diante de um dos locais mais conhecidos da sua cidade, um lugar que identifique de onde você está falando."

Nove dias depois de maciça divulgação, William Bonner se viu obrigado a fazer um esclarecimento no "Jornal Nacional". "A gente pediu que a gravação fosse feita num lugar bem representativo de onde você vive. Teve gente que preferiu mandar um recado de algum lugar com um problema. Porque considera que este lugar com este problema representa a sua cidade. Tá valendo. Quem escolhe o cenário é você."

Na sequência, o telejornal exibiu quatro vídeos enviados. Em um deles, o recado foi gravado diante de um lixão e em outro o telespectador exibiu como pano de fundo uma estrada esburacada.

Constatou-se que o tom edificante da convocação não encontrou a ressonância esperada. Em vez de cartões-postais de suas cidades, como havia sido sugerido, muitos espectadores optaram por exibir mazelas.

O caso mostra, mais uma vez, que a pretensão de falar com o espectador e, especialmente, dar voz a ele não é tão simples, nem pode ser orientada apenas pelo marketing.

Essa dificuldade transparece também no recém-lançado "Por uma Teoria de Fãs da Ficção Televisiva Brasileira 2" (ed. Sulina/Globo, 416 págs.). O volume reúne resultados de estudos feitos por dez grupos de pesquisadores de universidades, organizado por Maria Immacolata Vassallo de Lopes, da ECA-USP.

Como no livro anterior, lançado há dois anos, as pesquisas apresentadas nesse volume discutem, em sua maioria, a eficácia das estratégias usadas pela Globo para engajar fãs de novelas e séries nas redes sociais.

O interesse em compreender essas ações comerciais da emissora é louvável, mas quase todas as pesquisas, basicamente, se limitam a constatar obviedades ao descrever as iniciativas e a entrevistar alguns poucos usuários das redes sociais. Vários trabalhos parecem interessar em primeiro lugar à própria Globo, que financia a publicação do livro.

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