Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Mauricio Stycer
Descrição de chapéu Otavio Frias Filho

Jornalismo na prática

Por que tantos jornalistas estão fazendo algo tão incomum quanto elogiar o chefe

Peço perdão ao leitor por, excepcionalmente, deixar de lado o tema desta coluna para prestar um tributo.

Quando Otavio Frias Filho me convidou para ser o editor de Cidades da Folha, em 1990, tentei recusar. Argumentei que era jornalista cultural e não acompanhava com a devida atenção vários dos assuntos que me caberiam editar (polícia, saúde, educação, política municipal etc.).

Como ele insistia, tentei uma última cartada: "Sou carioca, não tenho como editar um caderno sobre São Paulo". E ele veio com o argumento final, talvez irônico: "Mas é isso que queremos, um outro olhar sobre a cidade".

Permaneci à frente da seção, com uma equipe de 30 profissionais, por 18 meses. No período, o caderno mudou de nome (virou Cotidiano), mantive uma polêmica com o ombudsman por causa de uma vinheta que criei ("Histórias reais") e tive um princípio de gastrite.

Finalmente, Otavio me chamou para, nas suas palavras, pedir "o cargo de volta". Não era uma demissão. Propôs, numa deferência, que eu continuasse no jornal como repórter especial.

Com petulância, recusei e disse que gostaria de ser correspondente internacional. Ele disse que iria pensar no assunto e me mandou para casa. Alguns dias depois, recebi um telefonema com a proposta de me mudar para Roma. A experiência no exterior durou ainda menos tempo do que a como editor de assuntos municipais.

Essas duas historietas, ainda que muito pessoais, desculpe-me por isso, reproduzem um padrão vivido por quem trabalhou na Folha.

Elas ajudam a descrever uma característica importante, ao menos nas décadas de 1980 e 1990, durante o início da gestão de Otavio como diretor de Redação: a notável rotatividade de funções que centenas de profissionais tiveram a oportunidade de experimentar dentro do próprio jornal.

Otavio assumiu o comando da Folha muito jovem e se cercou de jornalistas tão ou mais jovens quanto ele, provocando a saída, voluntária ou involuntária, de inúmeros profissionais experientes e a contratação de novatos e neófitos.

Com a disposição de aceitar na Redação gente não formada em jornalismo, acolheu filósofos, químicos, arquitetos, sociólogos e professores de línguas, entre outros que tiveram a curiosidade de se arriscar numa nova profissão.

A entrada e saída de gente no jornal bateu recordes no início da nova fase. Era uma movimentação que implicava permanente troca de funções, forçando os profissionais a experimentarem os mais variados desafios e, em muitos casos, enrascadas traumáticas.

Não conheço experiências semelhantes, envolvendo rotatividade de tantos jornalistas, em outras redações.

Nessa profissão, não é muito comum elogiar o chefe. Menos ainda, o dono da empresa. Mas, nos últimos dias, li inúmeros relatos de jornalistas que trabalharam ou estão na Folha falando de suas experiências profissionais sob a gestão de Otavio. São depoimentos em primeira pessoa expressando reconhecimento ao diretor de Redação pelas oportunidades e lições de jornalismo recebidas. Não é pouca coisa.

Nos quase dez anos em que trabalhei na Folha, entre 1988 e 1997, ocupei sete funções diferentes, além de ter preenchido, de forma interina, vários outros cargos, sem contar as chamadas "editorias de emergência", convocadas a toda hora para fechar cadernos especiais, ajudar em coberturas de planos econômicos e situações inesperadas.

Foi uma escola de jornalismo. E me capacitou para distintos passos que dei depois, inclusive o ofício de crítico de TV, que desenvolvo desde 2009.

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