Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Como 'Watchmen', 'Hunters' é uma ficção desvairada que fala da realidade

Com Al Pacino, nova série da Amazon retrata ação de caçadores de nazistas nos Estados Unidos

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A secretaria de Educação de Oklahoma (EUA) anunciou na semana passada que está desenvolvendo um novo currículo para ensinar melhor aos estudantes de todo o Estado sobre o chamado massacre de Tulsa, ocorrido em 31 de maio de 1921.

O conflito racial teve início sob o pretexto de punir um homem negro que teria violentado uma mulher branca. Uma multidão de homens brancos atacou os moradores de um bairro predominantemente negro da cidade, causando a morte de 300 pessoas, ferimentos em outras centenas e deixando milhares desabrigados.

O “segredo sujo de Tulsa”, nas palavras de um político local, nunca foi devidamente ensinado nas escolas. A decisão de mudar isso ocorre quatro meses depois da estreia de “Watchmen”, uma série da HBO inspirada na história em quadrinhos publicada por Alan Moore em 1986.

O primeiro episódio da série começa justamente com a encenação do massacre de Tulsa e o que ocorreu ali terá impacto nos demais episódios, ambientados quase cem anos depois na mesma cidade. Na realidade alternativa de “Watchmen”, Robert Redford é presidente dos Estados Unidos desde 1992 e um grupo racista, que acredita na superioridade dos brancos, está perto de chegar ao poder.

Em nove episódios, a fantasia da HBO coloca no centro da tela o racismo e a necessidade de enfrentá-lo com rigor. A série tem uma força impressionante e, não por acaso, integrou as principais listas de melhores de 2019. O fato de inspirar, de alguma forma, uma mudança nos currículos do Estado de Oklahoma mostra a sua relevância.

Hunters”, lançada há dez dias pela Amazon, busca alcançar um efeito semelhante, mas com armas diferentes. Ambientada em 1977, a série retrata a ação de caçadores de nazistas nos Estados Unidos que buscam fazer justiça com as próprias mãos e eliminar supremacistas brancos que sonham em criar o Quarto Reich no país.

Para efeitos de marketing, o grande destaque da série é a presença de Al Pacino no papel de um dos protagonistas, o empresário Meyer Offerman, que financia e lidera o grupo de caçadores. Mas “Hunters” impressiona por outros motivos.

Ainda que se diga inspirada em fatos reais (o acolhimento de oficiais nazistas nos EUA no pós-guerra), “Hunters” é uma fantasia desvairada, com muitos toques de humor mórbido e narrativa com jeito de HQ 
de super-heróis.  

O grupo formado por Offerman inclui judeus sobreviventes de campos de concentração, mas também um americano de ascendência asiática que lutou no Vietnã, uma freira e uma militante do movimento negro.

Enxergando a série como realista, é possível ver desrespeito com o Holocausto e as suas vítimas. Também incomoda a proposta do grupo comandado por Offerman de ignorar as leis e “vingar” os nazistas com a mesma violência que eles cometeram contra os judeus.

Mas não me parece ser esta a proposta. O autor, David Weil, cuja avó é uma sobrevivente de campo de concentração, diz que evitou reencenar situações reais para, justamente, não provocar sofrimento.

“Afinal, é verdade que os nazistas praticaram atos generalizados e extremos de sadismo e tortura contra suas vítimas. Eu simplesmente não queria descrever esses atos reais de trauma”, disse Weil à BBC. “Se a questão filosófica mais ampla for, podemos contar histórias sobre o Holocausto que não são documentais? Acredito que podemos e devemos”.

“Hunters”, enfim, mesmo que com mau jeito, propõe um diálogo com a realidade ao colocar em questão o neonazismo e o antissemitismo. É o tema principal da série.

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