Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Livro associa impacto da pandemia à relação entre Trump e a Fox News

Para jornalista, canal alimentou o presidente com informações distorcidas e, num ciclo contínuo, difundiu fake news

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Nos primeiros dias de março, preocupada com a pandemia de coronavírus, a direção do canal Fox News cancelou um grande evento que promoveria naquele mês para centenas de anunciantes. Também promoveu uma reunião com funcionários para falar de protocolos de segurança e começou a testar opções de gravação fora do estúdio, caso se tornasse necessário.

No ar, porém, o canal ainda minimizava os riscos. Ouvido pelo apresentador Sean Hannity em 6 de março, o médico Marc Siegel, um comentarista frequente, disse: "Na pior das hipóteses, pode ser uma gripe". Dois dias depois, o apresentador Pete Hegseth disse: "Sinto que quanto mais aprendo sobre isso, menos há com o que me preocupar".

A postura do principal canal pago de notícias do país foi "chocantemente irresponsável", caracteriza o jornalista Brian Stelter num livro recém-lançado nos Estados Unidos.

E não apenas pela má influência que pode ter exercido sobre os milhões de espectadores. O papel foi ainda mais grave, diz ele, ao alimentar um espectador assíduo, Donald Trump, com informações distorcidas e, num ciclo contínuo, difundir sem qualquer contraponto o discurso do presidente que incorporava essas fake news.

Nesta terça, os Estados Unidos lideravam o ranking de mortos por Covid-19, com 205 mil, seguidos pelo Brasil, com 142 mil, e a Índia, com 96 mil.

"Existem dezenas de razões pelas quais os Estados Unidos ficaram tão atrás de outros países nos preparativos para a pandemia. Algumas são culturais, algumas são econômicas, algumas são políticas. Mas não há dúvida de que um dos motivos é a relação Trump-Fox", escreve Stelter.

O livro se intitula "Hoax", que em português pode significar notícia falsa ou inventada, trote, fraude. O subtítulo é: "Donald Trump, Fox News e a perigosa distorção da verdade" (Atria Books, 352 págs., US$ 14 em versão eletrônica).

Stelter foi repórter especializado em mídia do The New York Times por muitos anos e é autor de "Top of the Morning", um livro que descreve os bastidores dos programas matinais de TV, transformado na série "The Morning Show", da Apple. Desde 2013, ele trabalha na CNN, cobrindo o setor.

A CNN e a Fox disputam o mesmo segmento, o que pode pôr em questão a isenção de Stelter. Mas ele avisa no prólogo: "Estou escrevendo este livro como um cidadão; como um defensor do jornalismo factual; e como um jovem pai que pensa sobre que tipo de mundo meus filhos vão herdar".

O autor afirma ter conversado com 140 funcionários da Fox, além de outras 180 pessoas, entre ex-funcionários e pessoas com laços com o canal. Ainda que a maioria fale sob a condição do anonimato, o resultado é muito forte.

Stelter reconstitui as relações de Trump com a Fox desde 2015, antes ainda de o empresário decidir disputar a Presidência americana, mostrando como ele obteve apoio do dono do canal, Rupert Murdoch, e do principal executivo, Roger Ailes (1940-2017), demitido em 2016 após acusações de assédio sexual contra várias funcionárias.

Mais significativa é a relação de troca que estabelece com os principais apresentadores, Bill O'Reilly, Sean Hannity e Tucker Carlson, todos conservadores. Hannity, em especial, mostra Stelter, se tornou um consultor informal do presidente.

Por aqui, também, houve canais minimizando a pandemia e jornalistas reproduzindo, como se fosse notícia, falas presidenciais. Mas, apesar de a vontade de desinformar ser grande, não há hoje no Brasil nenhum veículo com tamanho alcance e influência quanto a Fox News engajado num projeto desses.

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