Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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É preciso dizer que uma mentira é uma mentira no combate à desinformação

Esta é a lição que o jornalismo profissional aprendeu, com um certo atraso, nos Estados Unidos de Donald Trump

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Lançado em dezembro, o divertidíssimo falso documentário “2020 Nunca Mais”, da Netflix, explora as principais desgraças do ano que passou.

O alvo maior do filme, realizado pelos criadores da série “Black Mirror”, é a difusão de informação errada ou falsa.

Duas personagens se destacam em “2020 Nunca Mais”. Uma é a assessora de imprensa de Trump, interpretada por Lisa Kudrow. A certa altura, ela diz: “Não existe nenhum lugar chamado Ucrânia”.

Refutada, ela encerra a conversa falando: “Prefiro acreditar que não existe”.

Cena de '2020 Nunca Mais', da Netflix
Cena de '2020 Nunca Mais', da Netflix - Reprodução/iMDB

A outra é uma dona de casa americana, vivida por Cristin Milioti, que esbanja racismo e reproduz teorias conspiratórias que leu nas redes sociais. “A Geórgia não é um estado. Não existia no mapa antes de novembro”, diz. “Trump perder é estatisticamente impossível, como neve no inverno ou um pato que não fala.”

Sobre a vacina contra a Covid-19, a personagem observa: “Não quero a vacina 5G, muito obrigada. É feita em laboratório. Não confio em nada que não seja natural. Eu li sobre isso no Facebook”.

Alvo de críticas, a falta de sutileza da produção é claramente deliberada. Não me parece haver outra forma de combater a difusão intencional de mentiras do que sendo muito explícito a respeito.

Esta é a lição que o jornalismo profissional aprendeu, com um certo atraso, nos Estados Unidos de Trump. É preciso dizer com todas as letras que uma mentira é uma mentira.

No Brasil, os profissionais da mídia também foram postos diante dessa situação — a obrigação de submeter qualquer notícia em estado bruto à análise e à interpretação, registrando de forma explícita os esforços de desinformação das autoridades.

O documentário “Cercados”, do Globoplay, dirigido por Caio Cavechini, descreve a brutalidade da cobertura da pandemia de coronavírus no Brasil.

O filme mostra a rotina de repórteres, fotógrafos e cinegrafistas na linha de frente, mas enfatiza o ambiente de conflitos entre o presidente Jair Bolsonaro e alguns veículos, entre os quais a Folha.

O filme pode ser visto como uma forma de a Globo enaltecer o próprio trabalho, mas a emissora, de fato, merece elogios pelo esforço que faz neste momento.

A decisão de não mais dar plantão no Palácio da Alvorada, em resposta a ameaças e constrangimentos causados por apoiadores do presidente, desobrigou a Globo de exibir Bolsonaro falando. Essa política tem um efeito fabuloso no noticiário.

Quando é preciso reproduzir alguma fala significativa no Jornal Nacional, William Bonner a lê, com toda a gravidade possível, produzindo um riso nervoso em quem vê. No mesmo tom, Bonner e Renata Vasconcellos não deixam de corrigir o presidente, ministros e outras autoridades quando divulgam alguma informação errada.

Beneficiado por uma concorrência condescendente, quando não parceira do governo, o principal telejornal da Globo se tornou uma atração popular entre espectadores que hoje se situam na oposição.

As reportagens que buscam desconstruir a desinformação governamental são longas e didáticas, quase tatibitates, na exposição dos problemas que pretendem mostrar.

Como na segunda (18), apresentada assim por Bonner: “Para fabricar as vacinas aqui no Brasil, tanto o Instituto Butantan quanto a Fiocruz precisam de um ingrediente que vem de muito longe, da China. Um país que o presidente Bolsonaro, filhos dele e ministros atacaram de várias formas desde o início da pandemia”.

Elogiar o Jornal Nacional não significa ignorar o que ele fez ou deixou de fazer em verões passados. Mas apenas reconhecer que é hoje uma voz importante neste pesadelo.

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