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'O tempo não apaga nada', diz Gloria Perez após 30 anos sem a filha

Autora explica por que pediu para a HBO Max não ouvir Guilherme de Pádua e Paula Thomaz em 'Pacto Brutal', série sobre o assassinato de Daniella Perez: 'Para que dar palco para psicopata?'

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A autora Gloria Perez

A autora Gloria Perez Sérgio Zalis/Divulgação

Em 28 de dezembro deste ano, o assassinato da atriz Daniella Perez completará 30 anos. Para a novelista Gloria Perez, as três décadas que distanciam o fatídico dia de 1992 do momento atual não aliviam em nada a dor da perda da filha. "O tempo não apaga nada. Pelo contrário. À medida que os anos passam, à medida que o mundo se transforma, essa ausência se sublinha cada vez mais", diz ela.

"Por exemplo, há uma revolução tecnológica, e eu fico pensando que ela não está aqui para ver. E ela era uma pessoa tão interessada em aprender essas coisas", explica. "Toda vez que eu vou viajar para um país diferente, eu sempre levo comigo a ausência dela. Ela não está ali."

A atriz Daniela Perez posa para foto, no Rio de Janeiro, em setembro de 1992
A atriz Daniella Perez posa para foto, no Rio de Janeiro, em setembro de 1992 - Antonio Batalha/Folhapress

As marcas da morte, afirma a autora, "estão tatuadas na memória". Recordações, essas, que são revisitadas agora na série documental "Pacto Brutal: O Assassinato de Daniella Perez", que a HBO Max lança nesta quinta-feira (21).

Na produção, a participação da autora se dá por meio de um longo depoimento, que funciona como uma linha condutora dos cinco episódios da produção. Ela também afirma ter colaborado com materiais e indicando pessoas que poderiam enriquecer o documentário.

Diz que topou participar da minissérie porque o projeto a tocou profundamente. "Eles realmente foram muito atenciosos e fizeram uma proposta que foi o que eu sempre quis: contar a verdade, contar o que está nos autos do processo", diz.

Glória Perez homenageia filha no Instagram
Gloria Perez homenageia a filha publicando fotos em seu perfil no Instagram, em 2019 - @gloriafperez no Instagram

​Lembrar com detalhes o dia do assassinato e de tudo o que ocorreu até o julgamento de Guilherme de Pádua e Paula Thomaz foi um processo "muito duro", salienta Gloria. "Mas eu sabia que tinha que fazer isso pela minha filha."

Pádua e Thomaz foram condenados a uma pena de quase 20 anos de prisão por homicídio qualificado. O crime chocou o país e dominou os noticiários durante anos. Os dois atualmente estão em liberdade.

Gloria diz que na época ficou muito magoada com grande parte da imprensa, que tratou o crime de "forma sensacionalista" e como uma extensão da novela "De Corpo e Alma", escrita por ela, e que era um sucesso de audiência na faixa das nove da Globo. Na história, Daniella e Guilherme de Pádua interpretavam Yasmin e Bira, personagens que se envolviam amorosamente.

"É óbvio que você fica magoada: A tua filha acaba de sofrer uma violência horrorosa, e eu andava na rua e estava estampado nas capas das revistas, em todas as bancas, as fotos de cenas da novela. Aquelas imagens ali alimentavam a confusão de que o crime tinha sido uma continuidade da trama", afirma.

Para ela, recontar a história do assassinato sob a perspectiva do que está no julgamento é uma forma de fazer com que o "real se imponha sobre a fantasia". "Nos autos do processo não foi Bira que matou Yasmin. Foi Guilherme de Pádua. Não foi a mulher do Bira quem matou Yasmin. Foi a Paula. A vítima não é Yasmin. É a Daniella", diz.

É também, pontua ela, uma forma de fazer justiça à imagem da filha, uma atriz de 22 anos que estava em ascensão na carreira e foi morta com 18 perfurações no corpo, a maioria concentrada na região do coração.

Laudo apontando as estocadas que mataram Daniella Perez e que aparece na minissérie documental 'Pacto Brutal'
Laudo apontando as perfurações que mataram Daniella Perez, em cena da minissérie 'Pacto Brutal' - Divulgação

Gloria destaca que Pádua teve, durante anos, amplo espaço na imprensa para contar "todas as versões possíveis e imagináveis" do que aconteceu. "Não é justo que ela tenha sido assassinada da maneira brutal que foi e ainda tenha sido descrita através das palavras de um assassino como uma pessoa louca, fora de si", indigna-se Gloria sobre uma das versões ditas por Pádua.

Em outro momento, ele chegou a afirmar que teve um caso com Daniella, o que nunca foi comprovado. Para a autora, enquanto os culpados pela morte seguem vivos e alimentam "toda uma cadeia produtiva", a sua filha está morta. "Quem morreu só produz lágrimas das suas famílias e das pessoas que a amaram. Eu vi isso. Eu vi minha filha ser despessoalizada", completa.

Gloria pediu à produção de "Pacto Brutal" que nem Pádua nem Thomaz fossem ouvidos para a série, ainda que não tenha feito qualquer restrição à reprodução do que a defesa e eles disseram ao longo do processo e nos anos que antecederam o julgamento —e que estão presentes na série.

"Para que entrevistar agora? Para dar palco para psicopata? O que eles têm para dizer a mais do que já foi dito? Se eles tivessem alguma coisa a dizer depois do resultado do júri, eles teriam processado o Estado ou pediriam um novo julgamento. Pediram? Claro que não. Saiu barato à beça para eles", afirma.

A série documental mostra também como Gloria passou a investigar o assassinato por conta própria. Ela buscou pessoalmente muitas das testemunhas, como o frentista que diz ter visto Daniella ser agredida por Pádua e colocada desacordada dentro do carro em um posto de gasolina. O local era próximo dos estúdios, onde ambos tinham gravado naquele mesmo dia cenas da novela.

O corpo da atriz foi encontrado em um matagal na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. "Eu sabia que ela jamais iria para aquele lugar [o matagal] sozinha. E eu tinha que ir atrás daquelas pessoas que tinham visto o que realmente tinha acontecido, porque se a mãe não vai, quem é que vai?", questiona.

A escritora Glória Perez assiste ao julgamento de Guilherme de Pádua - Patrícia Santos/Folhapress

Como o frentista e a sua família não aceitavam falar com ela, a autora passava o dia na porta da casa deles. Em uma dessas ocasiões decidiu colocar, por debaixo da porta, as fotos de como o corpo de Daniella foi encontrado. Foi quando a mãe da testemunha decidiu falar com ela.

"Eu tirei forças da minha filha [para fazer isso]. Não dava para deixar ela ser achincalhada daquela maneira, pintarem uma pessoa que ela nunca foi", justifica.

Para Glória, a luta dela não é incomum. "Você mora num país em que se a mãe não arregaça as mangas e vai atrás, muita coisa não acontece", diz. Foi nesta época que ela conheceu as Mães de Acari, grupo de mulheres que buscam conclusões para o desaparecimento de seus filhos ocorrido no Rio de Janeiro, em 1990.

"Foi justo o pouco tempo que eles [Pádua e Thomaz] pegaram [de cadeia]? Não, mas foi o possível. As minhas companheiras de luta de Acari não tiveram nem isso. Muitas morreram sem conseguir enterrar os corpos dos filhos", lamenta.

Gloria Perez conversou por videochamada com a coluna durante quase uma hora. Apesar de ter sido incitada a falar de outros temas, como "Travessia", folhetim das nove que ela escreve para a Globo e que substituirá "Pantanal" ainda neste ano, a autora disse que não estava com cabeça para aquilo. "O meu coração aqui está num ponto que eu não consigo pensar agora na próxima novela", desculpou-se.

Mesmo diante da tragédia que viveu, a autora diz que nunca pensou em parar de escrever folhetins. "Isso nem é possível, porque é uma questão de sobrevivência", afirma. Ela cita colegas de profissão que sofreram perdas semelhantes, como o casal Janete Clair e Dias Gomes —o filho caçula deles, Marcos Plínio, morreu com dois anos.

A autora Gloria Perez
A autora Gloria Perez - Sérgio Zalis/Divulgação

Terminar de escrever "De Corpo e Alma" foi a forma que a autora diz ter encontrado para se manter viva. Na época, Glória afirma ter se lembrado de um conselho de um professor que teve na faculdade, chamado Manoel Maurício.

Maurício tinha sido preso e torturado no período da ditadura militar (1964-1985). "Ele ficou sozinho numa cela e dizia que, num momento como esse, o que não se pode é perder o vínculo com o real. Para sobreviver, ele jogava no chão todos os palitos de uma caixa de fósforo e depois ia botando um por um, de volta à caixa. Quando acabava, repetia o processo."

"Esse gesto permitiu que ele não enlouquecesse", afirma. "Quando tudo isso aconteceu comigo, eu pensei: os capítulos que eu tenho de escrever vão ser a minha caixa de fósforo. E foram. Eu sobrevivi para fazer justiça para a minha filha", diz.

"A minha grande força é ela. É o resgate dela. É não deixar que ninguém fizesse mais nada com ela além do que já tinham feito."

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