Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Série sobre 'O Poderoso Chefão', 'The Offer' é do tipo tão ruim que é boa

Com 10 horas para contar a história de um filme de 150 minutos, produção é irresistível apesar dos defeitos

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Em busca de alienação, segui a recomendação de um amigo e assisti a "The Offer". Ele me alertou que a série era mais longa do que o necessário, mas fui em frente, conformado. Já virou rotina, tanto em plataformas de streaming quanto de podcast, a oferta de programas mais longos do que o necessário.

"The Offer" reconstitui a realização de "O Poderoso Chefão", um dos grandes filmes produzidos no século 20. É uma série de ficção, com atores interpretando Francis Ford Coppola, Marlon Brando, Al Pacino e uma dezena de outras figuras que entraram para a história do cinema por terem seus nomes nos letreiros do filme ou nas fofocas de bastidores que cercaram as filmagens.

homem branco de terno dos anos 1970 na entrada dos estúdios Paramount, em Hollywood, nos EUA
Matthew Goode caracterizado como Robert Evans em imagem de divulgação da série 'The Offer', do Paramount+, sobre os bastidores de 'O Poderoso Chefão' - Miller Mobley/Paramount+

Se você é daqueles que, antes de começar, olha quantos episódios formam a série e qual é a duração deles, aí vai um spoiler: são dez episódios, com cerca de 60 minutos cada. Ou seja, a história de um filme de 150 minutos será contada em 600 minutos, aproximadamente.

O segundo alerta de que pode ter algo errado em "The Offer" aparece logo no início, ainda nos créditos: "Baseado na experiência de Albert S. Ruddy em fazer 'O Poderoso Chefão'". Ou seja, a série foi construída a partir dos relatos do produtor do filme. Um terceiro complicador é o fato de ser uma produção da Paramount, o mesmo estúdio que realizou o filme, em 1972. Quer dizer, está tudo em casa.

Um fato positivo a respeito de Albert Ruddy é que ele foi um dos criadores de "Guerra, Sombra e Água Fresca", uma série cômica, ambientada num campo de prisioneiros nazista, exibida na televisão entre os anos 1960 e 1970. O produtor explica por que decidiu se aventurar pelo cinema: "A TV é muito limitante. Você não pode contar histórias reais na TV. É falso. E Marlon Brando não faz TV".

Toda a fantasiosa história da série gira em torno de Ruddy (vivido por Miles Teller). A cada cena, o herói resolve um problema. Como o livro de Mario Puzo gerou críticas de parte da comunidade ítalo-americana, o produtor promete a Joe Colombo (Giovanni Ribisi), um chefão mafioso de Nova York, que a palavra "máfia" não será citada no filme. Para conseguir alvarás de filmagem, ele garante que o personagem Johnny Fontaine, claramente inspirado em Frank Sinatra, terá sua participação reduzida no longa-metragem.

Em paralelo, Ruddy enfrenta outra organização bem articulada, mas legal: a indústria cinematográfica. A Paramount pertencia na época ao conglomerado Gulf and Western, do empresário Charles Bluhdorn (Burn Gorman). Como quase todos os personagens, ele é uma caricatura --só pensa em dinheiro e na assistente de Ruddy, a loira Bettye McCartt (Juno Temple, de "Ted Lasso").

O chefão da Gulf and Western dá ordens ao lendário Robert Evans (Mathew Goode), principal executivo do estúdio, em cuja gestão foram gerados filmes como "Bebê de Rosemary", "Love Story", "Ensina-me a Viver", "Chinatown" e tantos outros. A certa altura, Evans flagra a mulher, a atriz Ali MacGraw, na cama com Steve McQueen, e compreensivelmente perde o rumo. Quem vai salvá-lo da depressão é o herói Ruddy, que interrompe a produção do "Chefão" para visitar o chefe.

Coppola (vivido por Dan Fogler) é um dos poucos personagens críveis, diferentemente do pateticamente tímido Al Pacino (Anthony Ippolito), do glutão Puzo (Patrick Gallo) e do equilibrado Marlon Brando (Justin Chambers).

Acontece tanta coisa ao longo dos dez episódios que o espectador acaba relevando as situações rocambolescas, as más interpretações e as fragilidades do roteiro, incluindo as infinitas repetições de problemas para Ruddy resolver. É um clássico caso de programa ruim que é bom.

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