Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mauricio Stycer

O bom negócio da mentira no caso da Fox sobre Trump

Ação mostra que canal temia perder audiência se dissesse a verdade sobre eleição

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O processo eleitoral recente, incluindo a invasão por golpistas dos prédios dos Três Poderes, em Brasília, teve ao menos um efeito positivo: foi uma demonstração didática do impacto que a difusão continuada de mentiras pode causar.

O roteiro dos acontecimentos seguiu quase pari passu ao filme visto dois anos antes nos Estados Unidos, que culminou na invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021.


Houve uma diferença importante porém. A ação do Tribunal Superior Eleitoral, no Brasil, considerada autoritária por alguns liberais, teve um nítido efeito inibidor, ou atenuador, da propagação mal-intencionada de questionamentos falsos sobre as urnas eletrônicas.

A Jovem Pan, uma das mais estridentes caixas de ressonância do projeto golpista de Bolsonaro, foi uma que reagiu rapidamente aos sinais enviados pela Justiça. Dispensou comentaristas, atenuou o tom das mentiras e avisou, com a renúncia do próprio presidente, que não queria briga.

Nos Estados Unidos, ao longo de 2020, a Fox News não passou por esse constrangimento, apesar de suas mentiras terem um alcance muito maior que o da congênere brasileira. Cabe aqui, talvez, uma observação que pode ser feita tanto com um sorriso irônico quanto com raiva: faltou um Xandão por lá.

O ministro Alexandre de Moraes durante sessão no STF - Rosinei Coutinho/SCO/STF

Só agora, mais de dois anos depois do papelão público do canal de notícias americano, dando trela a lorotas de Trump sobre o processo eleitoral e o resultado das urnas, é que as suas responsabilidades estão sendo questionadas pela Justiça.

Foi preciso que as mentiras da Fox afetassem os negócios de uma grande empresa para que o sistema entrasse em movimento. É assim que as coisas funcionam nos Estados Unidos. A Dominion Voting Systems, que faz urnas eletrônicas, está movendo uma ação de difamação contra o canal no valor de US$ 1,6 bilhão (cerca de R$ 8,3 bilhões).

Sistema de apuração de votos da empresa Dominion Voting Systems - Jim Urquhart - 11.nov.22/Reuters


Nas últimas semanas vieram a público trechos de documentos e depoimentos que integram o processo. São revelações, como diz o provérbio, de fazer corar padre de pedra.

São mensagens trocadas entre executivos do canal e conversas com apresentadores e colunistas abertamente defensores de Trump. Eles mostram que as maiores estrelas da Fox sabiam que o então presidente havia perdido a eleição (até mesmo ridicularizavam privadamente as suas falas), mas temiam que a divulgação da notícia fosse afugentar os espectadores.

Veículo com mensagem contra a rede Fox News em Nova York - Michael M. Santiago/Getty Images via AFP


O que, de fato, aconteceu: os números que indicavam a derrota de Trump para Joe Biden derrubaram a audiência da Fox. "Acho que nossos telespectadores não querem assistir", escreveu Rupert Murdoch, presidente da Fox, ao seu principal executivo, no dia 8 de novembro de 2020, cinco dias depois da votação.

"Hora após hora, dia após dia, as estrelas da Fox continuaram sinalizando aos telespectadores que Trump ainda poderia vencer a eleição, não porque pensassem que ele venceria, mas porque estavam preocupados com suas audiências. E todos testemunhamos as consequências em 6 de janeiro", escreveu Brian Stelter, autor de um livro sobre a Fox.

Nesta semana, em novo vazamento de um depoimento, Murdoch admitiu que alguns apresentadores da Fox News "endossaram" a narrativa da fraude eleitoral e que as falsas afirmações do ex-presidente foram "prejudiciais a todos". "Eu gostaria que tivéssemos sido mais fortes em denunciar isso, em retrospectiva".

Caso alguém ainda tivesse alguma dúvida a respeito, a ação judicial já cumpriu a função de expor sem véu que a proximidade com a extrema direita fazia bem para os negócios da Fox.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.