Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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O 'nordestern' se renova

Sem medo de arriscar, 'Cangaço Novo' levanta o sarrafo no streaming brasileiro

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As produções brasileiras destinadas a plataformas de streaming têm resultado, de um modo geral, pouco ousadas e muito frustrantes. Isso é consequência, de um lado, da pressão para que alcancem grandes públicos e, de outro, da insuficiência de recursos.

Neste ambiente marcado pelo medo de arriscar, "Cangaço Novo" merece ser festejada. A série da O2, recém-lançada no Prime Vídeo, levanta o sarrafo.

Criada por Mariana Bardan e Eduardo Melo, conta uma história passada na fictícia Cratará, uma cidadezinha no sertão do Ceará marcada pela pobreza, pouca água, falta de oportunidades e quase ausência do Estado.


O poder político é transmitido de pai para filho de uma mesma família, que tem ramos na capital e em Brasília. O dinheiro compra votos e amizades. O compadrio determina quem pode, ou não, prosperar em Cratará.

A pequena cidade abriga também uma quadrilha especializada em assaltos a bancos em pequenas cidades próximas. O grupo, extremamente violento, comete os crimes com crueldade —uma das "assinaturas" da gangue é a fuga com o gerente da agência bancária atado à carroceria de um dos carros.

Por meio da história de três irmãos, cujos pais foram assassinados em 1998, "Cangaço Novo" vai desenvolver um drama em que os mundos da política e da (falta de) polícia se cruzam. Tudo temperado pelo campo da fé, que mobiliza almas e inspira ações.

Já no título, "Cangaço Novo" busca se filiar a um gênero com respeitável tradição no cinema brasileiro, o chamado western nordestino, ou "nordestern". O termo, cuja criação é atribuída ao crítico Salvyano Cavalcanti de Paiva, remete aos filmes que mostram os grupos armados, a partir do bando de Lampião, que enfrentaram o poder constituído no Nordeste.

"O Cangaceiro", de Lima Barreto, escrito e dirigido por Lima Barreto, premiado em Cannes em 1953, inspirou o batismo do gênero. Mas são muitos outros filmes, de "O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro", de Glauber Rocha, em 1969, até "Bacurau", de Kleber Mendonça Filho, de 2019, para citar apenas dois, que vão mostrar a complexidade do fenômeno.


Livros, como "O Cangaço no Cinema Brasileiro", de Marcelo Dídimo, e mostras, como a recente "Nordestern: Bangue-bangue à Brasileira", em São Paulo, também ajudam a entender como o tema é essencial na história e na cultura brasileira.

"Cangaço Novo" não é assim uma novidade temática. Mas algo com raro frescor nesse ambiente pouco inspirado do streaming brasileiro.

Com direção de Fábio Mendonça e Aly Muritiba, a série extrai muito de sua força da qualidade técnica, que é fruto dos muitos recursos investidos na produção. Como observou Tony Goes, no site f5, as cenas de ação são realmente impressionantes, de uma complexidade inédita no audiovisual brasileiro.

Outro investimento essencial também visível em "Cangaço Novo" é na qualidade do elenco e na preparação dos atores. Allan Souza Lima brilha muito como Ubaldo, o filho de Amaro Vaqueiro, que foi criado em São Paulo e, ao retornar a Cratará, assume o comando do grupo de "novos cangaceiros".

Também é impressionante o desempenho de Alice Carvalho, como a incontrolável Dinorah, irmã de Ubaldo. E Thainá Duarte, como Dilvânia, a irmã mais nova, que ficou muda devido aos traumas sofridos, é igualmente notável.

O elenco é enorme e sem reparos. Em papéis menores há alguns atores mais conhecidos, como Marcela Cartaxo, Ricardo Blat, Luiz Carlos Vasconcelos, Hermila Guedes e Rafael Losso, e outros rostos ainda não tão famosos, como Enio Cavalcante, que merecem atenção.

Em oito episódios, "Cangaço Novo" termina com algumas pontas soltas, num claro sinal de que ainda tem história para contar. Espero que a segunda temporada venha!

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