Como têm feito com tantos assuntos importantes, os algoritmos levaram a indústria do audiovisual a transformar a adolescência numa rubrica, como se fosse um gênero, com espaço de destaque nos cardápios das plataformas de streaming.
Esse tipo de produção orientada para satisfazer nichos da audiência até gera produtos de boa qualidade técnica eventualmente, mas poucos vão além do clichê ou da polêmica previamente calculada.
Entre as séries mais recentes com esta temática, considero "Euphoria", da HBO, uma exceção. Ela transborda afetação, de fato, como observou o repórter Leonardo Sanchez, mas esse excesso formal não me parece gratuito. No seu exagero, "Euphoria" consegue ir além do nicho a que se destina e interessar plateias variadas.
"A Vida pela Frente" é uma produção que segue caminho semelhante. Ainda que possa ser etiquetada como uma "série adolescente", ambiciona, e creio que consegue, dialogar com públicos de todas as idades.
É notável que a série criada pela atriz Leandra Leal narre uma história passada em 1999, e não nos dias atuais. Essa opção certamente contrariou o pessoal do marketing, que adoraria promover "A Vida pela Frente" como um retrato da jovem elite carioca de hoje.
Esse aspecto essencial também elimina, de cara, as muitas comparações que poderiam ser feitas com outros produtos destinados a este nicho, que se oferecem como versões realistas da juventude.
Em parceria com Rita Toledo e Carol Benjamin, duas amigas de infância e hoje sócias numa produtora, Leandra Leal optou por desenvolver uma história inspirada em coisas que viveu, viu ou ouvir falar na sua adolescência, mais de 20 anos atrás.
Em entrevistas, a atriz esclareceu que os personagens não representam figuras específicas, mas absorvem traços de experiências que as autoras viveram ou conheceram. A série é, assim, uma visita a memórias afetivas temperadas com os melhores elementos da ficção.
"A Vida pela Frente" se distingue de séries brasileiras recentes no seu esforço de não entregar tudo de bandeja. O bom roteiro, assinado por Fernanda Frotté, Rita Toledo, Victor Nascimento e Carol Benjamin, e a cuidadosa direção, que Leandra Leal divide com Bruno Safadi, convidam o espectador a pensar, imaginar e, em última instância, sentir o que os jovens personagens estão vivenciando.
Também chama a atenção o trabalho de preparação dos atores. O elenco jovem, em particular o trio de protagonistas, Flora Camolese, como Beta, Nina Tomsic, a Liz, e Jaffar Bambirra, o Cadé, entrega desempenhos impressionantes.
Os primeiros cinco episódios, de um total de dez, estão disponíveis no Globoplay. Depois de um documentário muito bem-sucedido, "Divinas Divas", de 2017, é preciso saudar esta estreia de Leandra na direção de uma série de ficção.
Sobrou pouco espaço para registrar a minha descoberta tardia de outra série que também foge da classificação óbvia dos algoritmos. Trata-se "Alguém em Algum Lugar", lançada originalmente em 2022.
Com duas temporadas de sete episódios disponíveis na HBO, e uma terceira encomendada, é uma comédia dramática ("dramédia"), parcialmente inspirada na vida da atriz Bridget Everett.
A história se passa numa cidadezinha chamada Manhattan, no Kansas, e é centrada na relação de Sam com um antigo colega de escola, vivido por Jeff Hiller, e na relação da personagem com a própria família.
Criada por Hannah Bos e Paul Thureen, "Alguém em Algum Lugar" é uma série com personagens complexos, construída de forma delicada, difícil de etiquetar, que merece toda a atenção.
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