Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mauricio Stycer
Descrição de chapéu Argentina América Latina

Série argentina com De Niro estimula o complexo de vira-lata

'Nada' acompanha o cotidiano de dândi falido vivido pelo ótimo Luis Brandoni

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O complexo de vira-lata, tal como definido por Nelson Rodrigues, é o sentimento de inferioridade que acomete os brasileiros diante de outros povos e nações. Essa patologia foi identificada pela primeira vez, como se sabe, na derrota do Brasil para o Uruguai na final da Copa de 1950, no Maracanã. E segue até hoje causando estragos, e não apenas no campo esportivo.



Confesso que me vi acometido da enfermidade depois de assistir a uma série argentina chamada "Nada", uma joia com apenas cinco episódios de 30 minutos e inúmeras surpresas.

Meu vira-latismo se manifestou já na escolha do título em português. Por que "Nada" virou "O Faz Nada" no Brasil? Toda a sugestão e síntese do título original se perde nesta adaptação feita para tentar agarrar o espectador brasileiro.

Robert De Niro e Luis Brandoni em cena da série "O Faz Nada", em Buenos Aires - Star+ - 7.mai.22/Via Reuters


O complexo de inferioridade também me atingiu ao descobrir que Robert de Niro não apenas é o narrador da série como aparece em todos os episódios e contracena com o protagonista no capítulo final.

Em sua longa carreira, De Niro já foi produtor de minissérie, já atuou em filme para plataforma de streaming e já se divertiu em programas de humor na televisão, mas nunca havia interpretado um papel numa série. Mais um gol da Argentina.

"Nada" tem, ainda, o mérito de apresentar um personagem tipicamente argentino, um dândi falido, que cultiva um humor ferino e ganha alguns trocados escrevendo críticas gastronômicas devastadoras.

A série se resume a acompanhar o cotidiano de Manuel Tamayo Prats, vivido com prazer pelo ótimo Luis Brandoni. O personagem esbanja impaciência, contra tudo e quase todos, mas também sofre, às vezes, nas mãos de personagens imprevistos e mirabolantes.

O ator Luis Brandoni em cena de peça na reabertura dos teatros em Buenos Aires após a pandemia - Emmanuel Fernández/Clarin


Mariano Cohn e Gastón Duprat, os criadores de "Nada", tratam Tamayo Prats com todo o carinho, mesmo quando ele não merece ou não tem razão. E oferecem ao idoso uma reviravolta muito delicada na segunda metade da série.

De Niro interpreta um escritor famoso e premiadíssimo, amigo do dândi argentino. Segundo a agência Reuters, os dois atores são amigos pessoais. Numa de suas entradas em cena, o americano dá uma aula, em espanhol, sobre insultos portenhos. "De Niro realmente gostou de falar em espanhol na série. Ele pediu isso", disse o codiretor Gaston Duprat.

A dupla Cohn e Duprat é responsável por outra série peculiar, "Meu Querido Zelador", lançada no ano passado (as duas estão disponíveis no Star+). O título original, igualmente deturpado na tradução brasileira, se resume ao substantivo, sem o adjetivo.

Tela da série no Star+
Tela da série 'Meu Querido Zelador' no Star+ - Reprodução


Assim como o crítico gastronômico Manuel Tamayo Prats, de "Nada", o zelador Eliseo, vivido por Guillermo Francella, é um tipo que provoca sentimentos ambivalentes no espectador. Não dou nenhum spoiler dizendo que o protagonista é um canalha; a questão é que muitos moradores do prédio onde trabalha, numa zona de elite em Buenos Aires, são piores do que ele.

Os 11 episódios (um exagero) giram em torno do conflito gerado pelo projeto de construção de uma piscina na cobertura do edifício. A obra, se realizada, causará a demissão de Eliseo.

Ambas as séries podem ser classificadas como comédias, mas com um pé no drama, "dramédias", enfim. Sofisticadas, deixam um gostinho amargo na boca de quem assiste. "Nada" é mais sutil e interessante do que "Meu Querido Zelador". Ainda assim, com perdão do meu complexo de vira-lata, as duas me parecem mais agradáveis e bem resolvidas que a média recente da produção de séries brasileiras de ficção para o streaming.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.