Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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'Vale o Escrito', sobre jogo do bicho, parece reality tragicômico

Entrevistas com integrantes da nova geração da contravenção impressionam

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Criado em 1892, o jogo do bicho ocupa um lugar central na história do Rio de Janeiro, com influência sobre a política, a economia, a cultura e a mídia da cidade, além dos muitos impactos que ainda produz sobre a criminalidade e a violência urbana.

Com regras de aposta claras, acessível em qualquer esquina, mas tipificado como uma contravenção, o jogo se enraizou com base na corrupção policial e na popularidade dos "banqueiros", que se tornaram também beneméritos de comunidades carentes e presidentes de escolas de samba.

Tabela com premiações do jogo do bicho em São Paulo - Luiz Carlos Murauskas - 3.mai.96/Folhapress

É um tema fascinante, com infinitas ramificações, e é natural que já tenha gerado um sem-número de estudos, livros, filmes e investigações jornalísticas. Mesmo assim, chama a atenção o fato de o Globoplay lançar, nos últimos três anos, três novas séries sobre o assunto. Pode parecer falta de planejamento ou desorganização.

Ainda assim, reconheço, essa insistência tem gerado bons produtos. "Doutor Castor", de Marco Antônio Araújo, foi lançada em 2021. Em quatro episódios, apresenta um perfil complexo de um dos maiores bicheiros do país, acusado de inúmeros crimes e que se tornou uma figura adorada e paparicada graças aos investimentos que fez no futebol (Bangu) e no samba (Mocidade Independente) do Rio.

Doutor Castor
Cena de 'Doutor Castor' - Reprodução

No ano passado, foi a vez de "Lei da Selva: a história do jogo do bicho", de Pedro Asbeg. Também em quatro episódios, descreve as disputas territoriais, guerras internas entre membros de famílias e queimas de arquivo. E mostra como, nos últimos anos, o jogo do bicho se associou às milícias na exploração de máquinas caça-níqueis.

Cartões do jogo do bicho
Imagem da série "Lei da Selva" - Divulgação/Canal Brasil

A mais recente, "Vale o Escrito", lançada agora em novembro, é a mais surpreendente das três. Com direção de Fellipe Awi, Ricardo Calil e Gian Carlo Bellotti, a série oferece um retrato inédito de alguns dos principais banqueiros do jogo e das mulheres que os cercam.

"Vale o Escrito" foca em uma dezena de mortes e atentados que envolveram, nos últimos 20 anos, os descendentes e sócios de dois bicheiros da velha guarda, Castor de Andrade e Miro Garcia.

O maior mérito da série são as entrevistas fluviais com figuras que adoram os holofotes, mas que, até então, evitavam falar abertamente dos seus negócios.

Cena de 'Vale O Escrito - A Guerra do Jogo do Bicho'
Cena de 'Vale o Escrito - A Guerra do Jogo do Bicho' - Divulgação

Os veteranos Aílton Guimarães Jorge, o "Capitão Guimarães", e José Escafura, o Piruinha, descrevem em detalhes as suas atividades, enquanto reforçam o próprio folclore. "Não sou santo, mas não sou bandido. Vou morrer bicheiro", diz o primeiro. "Tive mais de cem mulheres. Desde os 19 anos estou envolvido nesse negócio de mulher", conta o segundo.

Mas são as entrevistas com integrantes da nova geração que mais impressionam, em especial as gêmeas Shanna e Tamara Garcia, netas de Miro, hoje antagonistas, e Bernardo Bello, suposto líder de uma facção do bicho, atualmente foragido. É quando a série assume uma perspectiva de reality show, com um pé na tragicomédia. Ainda assim, ou por isso, trata-se de um feito jornalístico e tanto!

Supervisor artístico do projeto, Pedro Bial é também narrador de "Vale o Escrito". No esforço de traduzir desdobramentos complicados da trama, adota um tom às vezes infantilizado, que dá ares de reportagem do "Fantástico" a temas que mereciam uma abordagem mais sóbria.

São sete episódios densos, complexos, que acrescentam novas informações sobre as relações de milicianos e matadores de aluguel com o jogo do bicho.

A série registra, ainda, sem esmiuçar as razões, a crônica impunidade que envolve os principais acusados de crimes relacionados aos negócios ilegais. E não se alonga, assim como "Doutor Castor", ao tratar do papel da mídia na mitificação dos contraventores.

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