Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Deus e o diabo na TV brasileira

A qualidade de 'Renascer' ajuda a mostrar os defeitos de novelas atuais, como 'Terra e Paixão'

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Assim como já havia ocorrido com o remake de "Pantanal", a nova versão de "Renascer" ajuda a entender a importância de Benedito Ruy Barbosa na consolidação da novela brasileira como uma forma, muitas vezes, elevada de entretenimento.

Benedito faz parte de uma tropa de elite que, entre as décadas de 1970 e 1990, colocou a teledramaturgia num novo patamar. Com altos e baixos, mas num nível sempre decente, esses autores deram um novo status ao melodrama.

Cândida (Maria Fernanda Cândido) em Renascer
Cândida (Maria Fernanda Cândido) em cena de 'Renascer' - Reprodução/Globo

As marcas da contribuição de Benedito são bem conhecidas: grandes sagas familiares, heróis e heroínas destemidos, histórias ambientadas em áreas inóspitas, frequentemente na zona rural do país, altas doses de religiosidade, misticismo e muita imaginação. "O meu universo é o Brasil", resumiu ele certa vez.

A enorme obra de Benedito inclui, entre outras novelas com essas características, "Os Imigrantes", "O Rei do Gado", "Terra Nostra", "Velho Chico" e "Meu Pedacinho de Chão", esta última na encantadora versão refeita por Luiz Fernando Carvalho em 2014.

Tudo isso já é sabido há muito tempo. Também não é novidade que muitas novelas da época de ouro da Globo, ganhando novos sentidos, podem interessar ao espectador de hoje. O resgate de "Pantanal", em 2022, e agora de "Renascer", ambas reescritas com muita sagacidade por seu neto Bruni Luperi, estão aí para indicar isso.

Daí a se concluir, como o executivo Amauri Soares teorizou aqui na Ilustrada, que "as novelas rurais têm histórico de sucesso" vai uma grande diferença.

Empolgada com o resultado do remake da saga de Juma Marruá, a Globo deu luz verde a "Terra e Paixão", uma outra trama ambientada no interior do país, escrita por Walcyr Carrasco.

Mas o espectador não é bobo. Com tantos anos de sofá, reconhece uma novela boa à distância. Praticamente espremida entre as duas histórias de Benedito, a trama de Carrasco passou vergonha.

Hoje com 92 anos, o veterano autor curte o reconhecimento por parte de um novo público. Exibida originalmente em 1993, há mais de 30 anos, "Renascer" nasceu de pesquisas de Benedito no sul da Bahia. Ele afirma que reproduziu quase literalmente histórias que ouviu o povo contar.

O protagonista José Inocêncio é inspirado num causo que ouviu sobre "seu Firmo", um fazendeiro que teria dividido suas terras entre sete filhos e, acreditando na proteção do capeta, guardava o diabo numa garrafa.

Benedito afirma que conversou com um homem conhecido como "seu Visita", um matador de aluguel então aposentado, que teria recebido dinheiro para assassinar "seu Firmo", mas acabou se aliando a ele, e reproduziu esta história na novela.

Tanto José Inocêncio quanto José Leôncio, de "Pantanal", são heróis imperfeitos, com falhas gritantes de caráter, uma característica que atenua o maniqueísmo dos dois folhetins.

Só não me parece ter sido uma boa ideia escalar o mesmo ator, o ótimo Marcos Palmeira, para viver os dois protagonistas. Esta semana, quando ouvi o personagem convidar um outro a ter "um dedo de prosa", achei que estava vendo "Pantanal".

É evidente que a decisão de refazer "Renascer", assim como o anunciado projeto de uma nova versão de "Vale Tudo", de Gilberto Braga, denotam um misto de falta de imaginação, comodismo e insegurança. Mas não é só isso.

Nunca foi tão complicado escolher o que mostrar no horário nobre. Enquanto põe um pé na canoa do streaming, a Globo sabe que a novela das nove ainda é o maior agregador de audiência do país, com tudo o que isso implica para os negócios. Curtindo a aposentadoria, o velho Benedito deve estar dando um sorriso.

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