Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Globo usa séries para corrigir erros e contextualizar seu passado

Produções sobre Eurico Miranda e Castor de Andrade esboçam mea culpa

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Na produção de documentários para o seu serviço de streaming, um filão que segue a todo vapor, a Globo tem visto, eventualmente, a necessidade de justificar atitudes que tomou e se desculpar por erros que cometeu no passado.

O caso mais recente é a série "A Mão do Eurico", que resume em cinco episódios a trajetória de um dos dirigentes mais marcantes do futebol brasileiro. Entre as dezenas de situações chocantes protagonizadas por Eurico Miranda, uma envolve a Globo.

Em 30 de dezembro de 2000, um sábado, Vasco e São Caetano se enfrentaram em São Januário pela final da Copa João Havelange. Durante o jogo, um alambrado do estádio lotado se rompeu, provocando pânico e deixando mais de uma centena de feridos. Durante quase uma hora, a Globo transmitiu a confusão em campo, o atendimento médico e a discussão sobre a continuidade, ou não, do jogo.

Eurico Miranda, tema de série da Globo - Ricardo Borges/Folhapress

Contra a vontade de Eurico, o árbitro decidiu suspender a partida. Reportagens exibidas pela emissora no dia seguinte deram a impressão de que o dirigente não se importou com a saúde dos feridos, preocupando-se só com a continuação do jogo.

"As reportagens foram infelizes", reconhece na série o principal executivo de esportes da emissora, Renato Ribeiro. "Porque elas não obedeceram a ordem cronológica dos fatos. Ficou parecendo que Eurico não se importava com as pessoas feridas".

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Eurico Miranda pede calma aos torcedores após queda de alambrado no estádio de São Januário, no Rio de Janeiro - Jorge Araújo - 30.dez.2000/Folhapress

Em 1º de janeiro, a emissora fez nova reportagem reconstituindo os acontecimentos. A edição deixava claro que a preocupação de Eurico eram os feridos; somente após constatar que não havia ninguém em estado grave é que pressionou pela partida.

Mas a correção não aplacou a fúria do dirigente. Quando a partida foi realizada, o Vasco surgiu em campo com a marca do SBT estampada em sua camisa. A série deixa claro que o gesto acintoso de Eurico nunca foi perdoado pela Globo e sugere que o Vasco foi o maior prejudicado pela ação do cartola.

Há dois anos, a Globo esboçou outro mea culpa, mais delicado, na série "Doutor Castor". Exibindo o tratamento reverencial dado pela mídia ao bicheiro, a emissora tentou contextualizar alguns episódios que a envolviam.

A série relembra uma mesa-redonda, apresentada por Fátima Bernardes, em 1990, com os presidentes das escolas de samba —quase todos banqueiros do jogo do bicho que seriam condenados por formação de quadrilha.

Boni, diretor-geral da época, ganha a oportunidade de se arrepender da iniciativa, mas opta por defender a situação. E ataca: "Hoje seria impossível fazer essa mesa-redonda por causa da baboseira do politicamente correto".

Doutor Castor
Castor de Andrade na série 'Doutor Castor' - Reprodução

O trecho de uma entrevista de Castor de Andrade a Jô Soares, em 1991, no SBT, também é evocado. Jô acha graça quando o bicheiro relata um assalto. "Dei sorte que o assaltante me reconheceu e pediu desculpas."

Ali Kamel, diretor de jornalismo da Globo, comenta: "É o retrato da época. [É como se ele estivesse dizendo] ‘eu estou aqui com um gângster do meu lado, ele está dizendo que é temido por todo mundo. Vamos rir da situação’."

A ex-juíza Denise Frossard diz, em seguida: "O Rio de Janeiro era uma sociedade que vivia na promiscuidade. Ninguém fazia distinção dos bicheiros. Eles frequentavam a alta sociedade". O jornalista Aloy Jupiara acrescenta: "Eles são considerados pessoas que têm algo a dizer sobre a sociedade, que têm uma palavra, que têm um valor. Que valor, vindo do crime organizado?".

Eis a pergunta que cabe ser feita à recente "Vale o Escrito".

Cena de 'Vale O Escrito - A Guerra do Jogo do Bicho'
Cena de 'Vale O Escrito - A Guerra do Jogo do Bicho' - Divulgação

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