Mauro Calliari

Administrador de empresas pela FGV, doutor em urbanismo pela FAU-USP e autor do livro 'Espaço Público e Urbanidade em São Paulo'

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Destrinchando o PIU Setor Central

Novo instrumento urbanístico parece complexo e é, mas vai pautar estruturação de área com potencial de acomodar até 280 mil novas pessoas

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No último Plano Diretor, estimou-se que São Paulo iria ter 800 mil novos habitantes até 2030. Onde acomodar tanta gente? Um novo projeto da prefeitura, agora na Câmara, prevê que mais de um quarto dessas pessoas poderiam vir morar ao redor do centro.

O negócio é gigantesco, os ritos estão sendo cumpridos, mas há uma sensação generalizada entre especialistas de que algo está faltando. Vamos rever a lei para tentar destrinchar quais são essas questões.

O que é o PIU?

O Projeto de Intervenção Urbana é um estudo para a transformação de áreas específicas. As melhorias são financiadas pelos empreendimentos, que pagam para construir acima do coeficiente básico, O dinheiro fica numa conta no Fundurb (Fundo de Desenvolvimento Urbano).

Na situação atual, a prefeitura quase não tem verba para investimentos, daí a importância desses projetos. No caso do PIU Setor Central, o dinheiro tem que ser gasto especificamente dentro do perímetro da operação, ou seja, o centro.

A questão da escala

Uma das críticas que se faz ao novo PIU tem a ver com a área das intervenções. São 2.089 hectares, três vezes maior do que a Operação Urbana Centro, que está sendo extinta.

O PIU também é gigante em comparação a outras operações fora do Brasil, como em Barcelona ou Paris, com áreas dez vezes menores. Áreas menores permitem trabalhar com setores mais homogêneos e com uma análise mais detalhada do território. Como gerir o Triângulo Histórico, a várzea do Tietê, a cracolândia, o Glicério e o Pari, que estão incluídos no perímetro do mesmo PIU?

A prefeitura diz que a comparação é indevida. Para Rita Gonçalves, responsável pela coordenação do PIU Setor Central, o que deve ser comparado com as operações urbanas internacionais não é o PIU e sim a AEL que ela vai gerar. Bem, o que é a AEL? É uma Área de Estruturação Local, que, ela sim, vai se transformar num projeto detalhado de intervenção.

A questão do conceito

O PIU surgiu no último Plano Diretor como uma etapa de preparação para os projetos mais detalhados. Não deveria substituir uma operação urbana, mas na prática talvez acabe fazendo isso. Acredito que uma das dificuldades de entender a hierarquia dos instrumentos urbanísticos tem a ver com o nome escolhido, que é contraintuitivo.

Apesar do nome, o PROJETO de Intervenção Urbana não é um projeto e sim um plano. Para quem acha que nome é um detalhe, vale lembrar que teremos o PIU Minhocão dentro do PIU Setor Central.

Para piorar a confusão do nome, opositores do governo atual estão questionando a lei no Ministério Público pela falta de estudos de impacto ambiental –o EIA/Rima–, exigidos para grandes ... projetos.

Tanto a prefeitura como o vereador Paulo Frange, relator do projeto na Câmara, dizem que o EIA/Rima é dispensável. O vereador porque o PIU não prevê adensamento maior do que o permitido pelo zoneamento atual, e a prefeitura porque o PIU não gera projetos e sim um arcabouço jurídico que facilita –aí sim– a construção de novos projetos.

Nomes importam.

A questão da gestão

Ao contrário de muitas intervenções urbanas bem sucedidas em cidades fora do Brasil, que seguem planos detalhados, nosso PIU deixa que muitas ações sejam planejadas durante sua operação. Nas Operações Urbanas é assim que funciona. Alguém propõe uma intervenção –uma ciclovia, um conjunto habitacional, um túnel– e o Grupo Gestor decide. É um processo longo e desgastante, com pouquíssimo daquilo que os administradores chamam de "accountability", a responsabilização pelo resultado.

A lei, pelo menos, dá diretrizes gerais e decide onde investir: 40% em habitação popular, 30% em equipamentos públicos e 5% na preservação do patrimônio histórico.

Em 20 anos

Qual é o potencial real desse novo PIU de transformar o centro?

Ninguém arrisca um palpite sobre receitas, mas podemos fazer um exercício. A Operação Urbana mais bem sucedida, a Faria Lima, gerou mais de R$ 3 bilhões. Se o PIU Centro gerar metade disso, seriam R$ R$ 600 milhões para habitação popular, ou algo como 4 mil novas habitações, uma fração do déficit de 477 mil unidades da cidade, mas um número considerável. O problema se agrava quando se lembra que São Paulo não tem hoje um plano de habitação aprovado. Ele tramita na Câmara há anos e deveria ser a bússola para decisões sobre moradia.

Há muitas dúvidas sobre o PIU. Torço pelo seu potencial indutor, mas temo pelo grau de abstração, pelo tamanho da área e pela complexidade. Por tudo isso, vale a pena a administração municipal criar um tipo de força-tarefa para acompanhar de perto seus resultados, talvez até apontando um gestor exclusivo cobrado através de metas anuais.

O centro de São Paulo é importante para a cidade inteira. Vinte anos atrás, torcíamos pela Operação Urbana Centro, que fracassou. Não dá para esperar mais vinte anos para aprendermos o que funciona e o que não funciona.

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