Mauro Calliari

Administrador de empresas pela FGV, doutor em urbanismo pela FAU-USP e autor do livro 'Espaço Público e Urbanidade em São Paulo'

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Descrição de chapéu Mobilidade

A importância de preparar os filhos para irem a pé até a escola

Familiaridade com espaço público ajuda crianças a lidar com a diversidade quando se tornarem adultos

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Um dos marcos da vida é a hora em que a gente sai de casa sozinho. Eu lembro da minha primeira vez. Fui à banca para comprar figurinhas. Atravessei a rua com enorme cuidado. Evitei o olhar de estranhos na calçada. Na banca, venci a vergonha para falar com o jornaleiro. Conferi o troco com atenção. A volta para a casa foi um alívio e uma vitória.

Tem gente que diz que esses momentos são importantes para nossa própria formação. É o que o sociólogo Richard Sennett chama de "play-acting": o jogo de tentativa e erro que nos ensina a conviver com os outros. Quem experimenta a cidade desde criança entende mais rápido que as pessoas são diferentes e desenvolve estratégias para a convivência.

Ir a pé para a escola

Brincar numa praça, andar com os pais numa calçada, tudo é parte dessa iniciação. Mas talvez mais importante seja a ida à escola, porque é refeita todos os dias e porque melhora a prontidão dos pequenos. Crianças que vão a pé para a escola chegam mais dispostas e alertas.

Crianças vão a pé para a escola em Lijiang, na China - Shen Hong - 12.nov.2013/Xinhua

Em grandes cidades do mundo, crianças estão andando menos a pé e mais de carro para ir à escola. Em São Paulo, porém, esse número ainda é enorme: 48% dos estudantes vão regularmente a pé ou bicicleta para o colégio.

Ou seja, quase metade das crianças da cidade já andam, mesmo diante de condições muitas vezes difíceis. Como melhorar a qualidade dessa experiência? Como estimular mais crianças a se exercitar pelas ruas da cidade em segurança?

A infraestrutura

Quando não há calçadas, iluminação e educação no trânsito, nenhum pai ou mãe vai ficar sossegado. Vão acompanhar da janela a saída à rua. Vão esperar com nervosismo até a volta dos filhos. Para aliviar parte dessa tensão, é preciso começar com a melhoria dos trajetos, desde a infraestrutura básica –calçadas, travessias, bancos, árvores– até projetos mais completos.

Há planos da prefeitura para melhorar as rotas, como o Rota Escolar Segura, nas periferias, e até para requalificar a região ao redor das escolas, como o Território Educador, para crianças de até 6 anos. Até 2022, serão implantados seis desses projetos, um número ínfimo diante das quase 7.000 escolas da cidade, mas os projetos são bons e deveriam ser replicados e expandidos. Cabe aos pais e às escolas também demandarem mudanças e trabalharem para melhorar o ambiente de chegada e saída das escolas.

Em Campinas, há um interessante projeto chamado Caminhos do Brincar, que propõe justamente intervenções nas áreas carentes. As aspirações das crianças são comoventes: elas falam das árvores e animais que encontram nos trajetos e sonham com a construção de um parquinho.

Estratégias de segurança

As cidades mais seguras do mundo, no Japão ou na Escandinávia, facilitam a vida das crianças. É uma rede de proteção social que faz com que donos de lojas, policiais e moradores parem para ver se está tudo bem com os escolares em seu trajeto. Em Barcelona há até um selo para identificar os "amigos do caminho", estabelecimentos que permitem que a criançada vá ao banheiro ou tome um copo d'água em segurança.

Outra estratégia é agrupar as crianças. Estudantes que andam juntos estão mais seguros e têm com quem compartilhar suas experiências. Na França, crianças de menos de seis anos costumam andar em grupo para a escola. No Brasil, existem algumas iniciativas para incentivar esse hábito, como a Carona a pé, que mobiliza mães, pais, professores e voluntários para levar as crianças num "comboio" a pé. É lindo vê-las andando juntas e comentando suas pequenas descobertas (casas, pessoas, animais) com os amigos.

Algumas escolas fazem o inverso: levam as crianças para a rua. São os chamados "territórios educativos". Conversei com a arquiteta e educadora Beatriz Goulart, e ela conta que o princípio dessa experiência interdisciplinar é justamente estimular os alunos a se abrirem para o que a cidade pode ensinar.

A autonomia se conquista gradualmente

Crianças que estão acostumadas a andar a pé com os pais ganham familiaridade com o bairro. É o que especialistas recomendam: acompanhar os filhos e ir aumentando a autonomia até que eles conheçam o trajeto e os perigos. É bom também treinar reações a surpresas, até porque é só a partir dos oito ou nove anos que crianças conseguem tomar decisões diante de eventos inesperados, como um carro que surge de repente.

A psicóloga Claudia Vidigal, da Fundação Bernard Van Leer, sugere que uma cidade com mais crianças fica melhor para todos. Além disso, as crianças pequenas geram em nós o desejo de cuidar –e até de sorrir–, o que é bom até para o astral da cidade.

Cada família tem um tempo certo

As crianças são diferentes, os pais são diferentes e os bairros são diferentes. Em alguma idade entre os 10 e os 15 anos, porém, a maioria das crianças terá ganho alguma autonomia para explorar pedaços da cidade. A conquista da rua é parte do crescimento.

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