Michael França

Ciclista, doutor em teoria econômica pela Universidade de São Paulo; foi pesquisador visitante na Universidade Columbia e é pesquisador do Insper.

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Ações afirmativas e o valor da diversidade são contestados nos EUA

Dada a influência americana, contexto acende um sinal de alerta para o Brasil

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"Diversidade não é inimiga da excelência, mas sua aliada", conclui um recente artigo publicado no jornal The Washington Post. Nos EUA, a manutenção das ações afirmativas no ensino superior está ameaçada. O ideal de que a diversidade nas universidades é benéfica para a promoção do conhecimento tem sido amplamente contestado por liberais e conservadores.

Em 1978, Lewis F. Powell Jr. contribuiu para que tal concepção ganhasse mais espaço nos debates sobre ação afirmativa. Ele foi o único juiz na Suprema Corte a mencionar a diversidade como argumento para seu voto em defesa da constitucionalidade das políticas que usam raça como critério de admissão. Segundo Powell, a qualidade do ensino superior seria afetada pela diversidade de ideias e costumes dos estudantes, e, assim, o futuro da nação dependeria de líderes treinados em meios mais diversos.

Manifestantes se reúnem em apoio às ações afirmativas em frente à Suprema Corte dos Estados Unidos, nesta segunda-feira (31) - Jonathan Ernst/Reuters

O discurso pegou. O tribunal passou a endossá-lo como justificativa para ações afirmativas. Ao mesmo tempo, a lógica da diversidade, juntamente com suas potenciais externalidades positivas, se difundiu pelo território americano e o resto do mundo. Porém, os ventos estão mudando de direção.

Alguns juízes e acadêmicos passaram a ignorar o amplo conjunto de resultados de pesquisas empíricas sugerindo que as ações afirmativas apresentam efeitos positivos e começaram a questionar se haveria evidências verificáveis, e convincentes, para apoiar os supostos benefícios da diversidade na educação.

No meio desse cenário, a opinião pública encontra-se dividida. A maioria dos americanos não apoia as ações afirmativas, apesar de ainda ser favorável a outras políticas voltadas para inclusão das minorias.

Segundo pesquisa da Washington Post-Schar School, cerca de 60% dos americanos são a favor de deixar critério racial fora das admissões das universidades. Contudo, o mesmo percentual da população apoia programas voltados para aumentar a diversidade racial dos alunos.

Entretanto, diversas políticas voltadas para diminuir desigualdades históricas nas oportunidades educacionais foram testadas nos últimos anos e seus resultados não foram muito animadores. A Universidade da Califórnia e a Universidade de Michigan despontam como bons exemplos.

Elas tiveram que parar de usar ações afirmativas e, desde então, apesar dos esforços e dos altos investimentos, o perfil de seus alunos está longe de refletir uma inclusão satisfatória de grupos raciais historicamente marginalizados.

No caso da Universidade de Michigan, um referendo levou à proibição das admissões que adotassem algum critério racial em 2006. Como resultado, o número de matrículas das minorias despencou e a instituição passou a investir em uma série de programas de extensão cujo intuito seria ampliar a diversidade da universidade. Apesar de os incentivos incluírem até generosas bolsas de estudo, Michigan não obteve sucesso em seu objetivo.

Até então, nove estados americanos proibiram ações afirmativas no acesso ao ensino superior. O efeito sobre a queda nas matrículas das minorias foi generalizado. Porém, para além da diminuição da diversidade nos campos universitários, tal fato tem implicações negativas na formação de novos líderes, que passam a questionar algumas das narrativas circulantes usando, como ponto de partida, a mesma base acadêmica do grupo dominante.

Desse modo, esse contexto acende um sinal de alerta para o Brasil. Dada a influência dos EUA, não seria uma surpresa se o valor da diversidade e das ações afirmativas passasse a ser mais intensamente questionado nos próximos anos em terras "tupiniquins".

O texto é uma homenagem à música "Monkey See Monkey Do", de The Budos Band.

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