Michael França

Ciclista, doutor em teoria econômica pela Universidade de São Paulo; foi pesquisador visitante na Universidade Columbia e é pesquisador do Insper.

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Sabotage é exemplo de como expectativas determinam ação humana

O retorno esperado de cada trajetória baliza nosso comportamento

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"Pô, do jeito que estou aqui no morro, vendendo droga para comer um arroz e feijão, não vou chegar lá nunca. Eu já estava no crime a milhão. Minha mãe morreu, meus irmãos morreram, não tinha nada a perder. Aí veio uma luzinha: não é porque você não tem sua mãe que vai ficar sem estudar. Vai ter de estudar e cantar ao mesmo tempo. Então entrei na escola".

Foi o que disse o músico e ator Mauro Mateus dos Santos, também conhecido pelo nome artístico Sabotage, em uma entrevista. A última antes de ele levar quatro tiros na cabeça e um no peito.

O rapper Sabotage na favela do Canão, zona sul de São Paulo, em 2000 - Zanone Fraissat/Folhapress

Expectativas são um elemento central para a ação humana. Elas são fruto da decodificação do amplo conjunto de informações que nos rodeiam. A cada instante entramos em contato com novas experiências. Por meio delas fazemos inferências sobre os potenciais resultados de nossas escolhas.

O retorno esperado de cada trajetória baliza o comportamento. Não é por acaso, por exemplo, que alguns passam grande parte de suas vidas estudando. O prêmio salarial médio da educação é elevado. Porém não é igual entre os distintos grupos da sociedade.

Pesquisas mostram que, mesmo considerando nível semelhante de educação, existem outros fatores que fazem com que aqueles pertencentes aos grupos mais proeminentes obtenham maior retorno de suas habilidades do que os demais. Isso entra no processo de tomada de decisão e afeta, negativamente, as escolhas educacionais e as trajetórias profissionais das minorias.

No mundo do crime, o cenário não é muito diferente. Ele também pode ser pensado sob a ótica das expectativas individuais e coletivas. Os indivíduos comparam o retorno esperado entre ir para a atividade criminal e ficar dentro dos limites da lei. No meio disso, há diversas instituições que representam um meio de gerar adestramento social.

Criar leis rigorosas, ampliar o policiamento e intensificar a punição pelos crimes são algumas formas de coagir as pessoas a seguir determinadas trajetórias. Elas representam um meio de diminuir o retorno esperado de algumas escolhas. Entretanto, o custo agregado não costuma ser baixo. No contexto brasileiro, para além das vidas de policiais e civis perdidas, também há elevados gastos para manter um sistema penitenciário e de Justiça que, não raramente, age de forma viesada.

Presos são mantidos sentados nus em pátio de presídio de Formiga, em Minas
Detentos no pátio de presídio de Formiga, Minas Gerais - Reprodução

No caso das drogas ilícitas, sabemos que, apesar dos seus danos, o consumo não é eliminado apenas pela força da lei e da vontade de parcela da sociedade. A oferta delas tende a continuar porque há uma demanda difícil de reprimir. Demanda essa que faz com que o retorno esperado de participar de algumas atividades ilegais, especialmente para grupos socioeconomicamente desfavorecidos, seja, muitas vezes, superior ao de seguir outras trajetórias.

Tal demanda não tem classe social. Embora as mortes, geralmente, tenham. No final, milhares de jovens morrem. Morrem para entorpecer, também, parcela de uma elite que sai quase ilesa desse processo de moer gente.

No caso de Sabotage, o Maestro do Canão, ele começou a vender drogas aos oito anos de idade. Teve seus primos assassinados. Com 15 anos já tinha perdido mãe e irmãos. Porém algo o fez mudar suas expectativas e, assim, seu percurso. Ao fazê-lo, acabou virando uma grande voz de uma parcela excluída e violentada do país.

Enquanto revolucionava o rap, frustrava as expectativas que a sociedade tinha sobre ele. Mas, no final, não conseguiu contrariar a própria expectativa de vida. Foi assassinado por volta de 5h50. Logo depois de ter levado a esposa ao trabalho. Morreu com 29 anos de idade e cinco tiros em seu corpo.

Este texto é uma homenagem à música "Mun ", de Sabotage. Em certo momento, ele diz: "O itinerário de um puteiro é o Brasil brasileiro". Me parece uma forma, talvez até mais sofisticada, de falar: "O Brasil não é para principiantes".

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