"Não selecionamos candidatos com bom desempenho para fazer justiça, mas para proporcionar aos cidadãos a melhor prestação possível de serviços. Outros objetivos, como a diversidade, podem entrar, mas subsidiariamente", contestou Hélio Schwartsman em resposta à minha divergência em relação à sua coluna. Embora tenha sido respeitoso no debate, ainda o considero equivocado em seus argumentos.
Tolerar injustiças e a falta de inclusão para procurar selecionar candidatos com bom desempenho não se reflete necessariamente em uma melhor prestação de serviços públicos. Tampouco parece ser uma boa receita para a construção de uma sociedade mais próspera.
Esse tipo de discurso, em diferentes roupagens, sempre esteve impregnado nos ideais das elites que dominaram o país. Na busca pelo próprio interesse, elas esqueceram de enxergar a sociedade de uma forma integrada e agir em prol do bem comum. Como resultado, contribuíram para a construção de um dos países mais desiguais do mundo. Transformar essa realidade requer a mudança desse tipo de mentalidade.
Um bom desempenho em um concurso geralmente resulta do esforço, dos critérios utilizados pelos organizadores da avaliação e do investimento de tempo e recursos. Em um país pobre e desigual como o Brasil, poucos têm acesso à segunda parte dessa equação.
Ao não considerar a variabilidade dos desafios enfrentados pelos diferentes subgrupos populacionais, corremos o risco de perpetuar, com maestria, o infeliz hábito de nossa sociedade em premiar predominantemente os mais favorecidos, nem sempre os mais qualificados.
Mesmo que alguns processos seletivos consigam escolher candidatos com elevado nível técnico, a conexão com uma boa prestação de serviços pode não ser muito direta. Tomemos novamente o exemplo das universidades públicas.
Assim como em outros espaços, elas são dominadas por homens brancos de alta renda. Muitos deles aproveitaram suas vantagens de classe, raça e gênero para desenvolver a melhor versão de si, atingindo grande parte de seu potencial. Embora alguns tenham se destacado como profissionais competentes e, dentre esses, alguns demonstrem comprometimento com o bem comum, suas perspectivas moldarão suas preferências e escolhas.
Ser dirigido pelas escolhas e valores de determinado grupo social pode se refletir na melhor prestação possível de serviços para os cidadãos contidos nesse grupo, mas não necessariamente para a sociedade como um todo.
Para evitar o risco de sistematicamente reproduzir as desigualdades preexistentes, tem-se que a inclusão das minorias contribui para a redefinição da agenda de prioridades. Além disso, pode influenciar a visão de mundo daqueles que ocupam posições de poder e que estão interessados em colaborar para construir um país melhor.
O desenho e a implementação de boas políticas públicas geralmente residem nos detalhes. Já perdemos muitos recursos com políticas que, embora bem-intencionadas, não entregaram o que prometeram. Nesse contexto, a diversidade não é algo secundário; pelo contrário, pode potencializar a atuação de todos os atores sociais.
Por fim, Schwartsman, como já discuti em outras colunas, concordo quando diz que devíamos cuidar mais da educação infantil e básica. Mas isso não é um bom argumento para limitar outras intervenções que procure gerar maior igualdade de oportunidades. Além disso, a educação deve ser vista além dos muros da escola.
Para que as expectativas dos altos retornos educacionais sejam absorvidas por aqueles que tiveram piores pontos de partidas, é preciso dar-lhes inspirações de modelos sociais semelhantes. Quando conseguirmos atuar como sociedade para abrir as portas das oportunidades, os resultados serão surpreendentes.
O texto é uma homenagem à música "Subirusdoistiozin", de Criolo.
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