Ando intrigada com o mistério. Não o mistério dos filmes de suspense, nem o mistério que envolve aceitarmos placidamente a dominação de um grupo de homens brancos que, acumulando a cada dia mais riqueza e poder, usa as instituições para proteger essa pilhagem imoral e seguir oprimindo e silenciando.
O mistério que me intriga é aquele a que o mitólogo americano Joseph Campbell se referiu quando sugeriu que para degustar o sentido da vida é preciso abrir mão de nossas configurações-padrão que comandam medo e desejo: “Livre-se deles e o esplendor virá”.
Trata-se de uma sensação que todos nós já sentimos: vendo o pôr do sol num fim de tarde preguiçoso, recebendo o abraço de um filho que volta para casa, escutando alguém dizer “eu te amo”, testemunhado o gol do título no último minuto de jogo.
São momentos que nos arrebatam e elevam a um lugar de mais significado. Suspensos nessa misteriosa poesia conseguimos, ainda que por instantes, aceitar a vida em todo o seu horror e esplendor.
Não duram muito os instantes de pico, mas duram o suficiente para que a gente perceba que faz parte de alguma coisa maior que jamais conseguiremos explicar porque a mente, as palavras e a razão não alcançam ou traduzem sensações de sublimidade.
Ao contrário das palavras, o futebol é capaz de nos transportar para esse ambiente de êxtase. Um drible criativo, a massa que se manifesta politicamente em uma só voz na arquibancada, a dor coletiva que a derrota provoca —o jogo ensina a resistir, a sofrer, a aceitar e a viver. Mas, para que cumpra sua função, ele precisa de subjetividade e de beleza; precisa transbordar paixão sincera e não paixão fabricada, seja aquela fabricada pelo jogador que quer a todo custo exibir raça ou pelo narrador que se esgoela a fim de produzir na marra uma emoção que não está ali.
O efeito de sublimação só pode ser alcançado por meio de verdade e de empatia, e verdade e empatia andam em falta nessa sociedade movida a negócios, transações, individualismo e exibicionismo.
Vamos torcer para que o futebol dos próximos dias seja capaz de subverter os interesses baixos que movem o negócio da bola prevalecendo à objetividade tediosa que a força da grana impõe. E, com poesia e esplendor, nos deixar sentir um pouco do mistério da vida.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.