Mirian Goldenberg

Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"

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Mirian Goldenberg

Há que escrever, mas sem perder a doçura jamais

A comparação é um perigoso veneno para a felicidade

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No meio das minhas noites de insônia e de pesadelos assustadores, tive um sonho revelador. Eu estava em uma reunião com todos os colunistas da Folha. Com um vestido esvoaçante e florido, procurava um lugar para sentar no auditório lotado. Eu me sentia um peixe fora d'água em um oceano de homens de terno preto. Vi uma cadeira vazia bem ao fundo, e deixei lá um exemplar da Folha para guardar o meu lugar.

Apesar da timidez, como já havia participado de eventos literários com ele, fui conversar com o Ruy.
"Ruy, como você consegue acertar sempre? Qual o segredo para ser tão amado pelos leitores? Tenho a impressão de que você tem uma ideia brilhante e escreve rapidamente o que eles mais gostam de ler. Eu, ao contrário, passo dias e dias escrevendo e reescrevendo minhas colunas. Muitas noites nem consigo dormir procurando o título certo, a palavra certa, a ideia certa."

Ele riu: "É uma fantasia sua, Mirian. Não dá para adivinhar o que os leitores querem. É muito difícil acertar sempre. Ninguém consegue. Lógico que todo autor quer ser lido e amado, mas não fico buscando o reconhecimento e aprovação de todos. Escrevo com foco no que acho importante, significativo e necessário dizer em cada momento".

"Mas você não fica preocupado se as suas colunas estão entre as mais lidas?"

"Claro que não, acabo de escrever uma e já penso na próxima. Não perco tempo preocupado com a opinião dos outros".

A querida Mariliz entrou na conversa. Aproveitei para dizer que admiro demais a sua sensibilidade, liberdade e coragem de escrever o que os brasileiros gostariam de gritar nas ruas. Ela contou que a maior parte dos leitores elogia as suas colunas, mas que alguns odeiam quando ela desmascara os crimes e mentiras dos psicopatas genocidas.

"Alguns colunistas são mais amados e todos leem qualquer coisa que eles escrevem. Um bom exemplo é o Ruy. Todo mundo lê porque é o Ruy, não importa o assunto. Outros só irão ler se o título for provocativo. Muitos gostam de textos com um humor inteligente. E existem aqueles que só leem para criticar e dizer que tudo o que escrevemos é uma merda."

Quando os demais começaram a falar, percebi que não era a única que me sentia insegura no meio de tantas mentes brilhantes. Um deles confessou que sente inveja dos colunistas mais queridos pelos leitores.

"Eu me sinto um fracasso, um bosta, quando me comparo com o Ruy, Mariliz, Juca, Prata, Tati, Drauzio e outros que são muito corajosos e talentosos. Mas não entendo o sucesso daquele tipo convencido e arrogante, que se acha superior e mais inteligente do que todos, que humilha e desqualifica quem pensa diferente, que vomita sua erudição e provoca polêmicas só para lacrar. Por que os leitores adoram intelectual caga-regras?".

Estava rindo do desabafo do colunista invejoso, quando o Juca veio conversar comigo.

"Eu gosto muito das suas colunas, Mirian. Você sempre combina suas pesquisas antropológicas com alguma pergunta que faz com que eu reflita sobre os meus propósitos de vida. Lembro de uma coluna sua sobre velhofobia que me impactou muito, me fez pensar sobre a minha velhice."

Acordei do meu sonho com um conselho generoso do Juca.

"Não se compare com os outros colunistas. A comparação é um perigoso veneno para a felicidade. Seja você mesma, tenha a coragem de ser diferente, custe o que custar. Você já encontrou o seu lugar de escrita, mesmo que ainda não saiba. Acho que o seu lema poderia ser: 'Há que escrever, mas sem perder a doçura jamais.'"

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