Mirian Goldenberg

Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mirian Goldenberg

Quem é mais infiel: o homem ou a mulher?

A ilusão da fidelidade é mais importante do que a fidelidade verdadeira?

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Depois de "A Outra", de 1990, realizei novas pesquisas qualitativas e quantitativas sobre amor, sexo e traição. Fiz centenas de entrevistas e apliquei questionários que foram respondidos por 1279 homens e mulheres.

Em "A Outra" já havia apontado que a fidelidade era o principal valor nos relacionamentos contemporâneos. Como mostrei na coluna anterior, as mulheres acreditavam que seus amantes eram fiéis. Elas disseram que sempre foram fiéis aos amantes. Afirmaram que a fidelidade é um valor tão fundamental que sem ela a relação extraconjugal não existiria. A infidelidade sexual foi descrita como uma patologia ou insuficiência da relação amorosa, não como uma questão moral e obrigatória. Para elas, a verdadeira "Outra" é a esposa traída. Elas querem e precisam ser a "número um".

Antonioguillem - stock.adobe.com

Na pesquisa com os homens, a fidelidade também foi apontada como o principal valor nas relações conjugais e extraconjugais, sendo considerada mais importante do que o amor, a vida sexual frequente e satisfatória, o trabalho, o dinheiro, a intimidade.

Como mostrei no livro "Por que homens e mulheres traem?", apesar de muitos comportamentos amorosos e sexuais não estarem tão distantes —60% dos homens e 47% das mulheres afirmaram já terem sido infiéis—, os discursos e valores são bastante diferentes.

Nas justificativas femininas para a traição encontrei: insatisfação com o parceiro, falta de reconhecimento e reciprocidade, vingança, além de muitas que traíram por não se sentirem valorizadas e desejadas pelos maridos. Nenhuma apontou a "natureza feminina" como causa da própria traição. Para elas, os defeitos, traições, faltas, desatenções, egoísmos masculinos são os verdadeiros culpados por suas relações extraconjugais.

Já os homens se justificaram por terem uma "natureza masculina" mais propensa à traição. Eles disseram que são infiéis por genética, DNA, instinto, desejo, aventura, novidade, atração física, vontade, tesão, oportunidade, galinhagem, hobby, testicocefalia, essência, sacanagem etc.


Apesar da fidelidade ser apontada como o principal valor dos relacionamentos, ela parece ser uma ilusão ou fantasia. Alguns homens afirmaram que, mesmo sabendo que é possível que a esposa (ou a amante) tenha sido infiel, preferem acreditar que ela sempre foi e sempre será fiel.

Um engenheiro, de 63 anos, confessou que prefere fazer "vista grossa", já que precisa manter a crença na fidelidade feminina para se sentir seguro no casamento e fora dele:

"Podem dizer que sou machista, mas acredito que os homens são poligâmicos por natureza. A natureza feminina é diferente da masculina: as mulheres não conseguem amar e transar com dois homens ao mesmo tempo. Tenho a certeza de que minha esposa e minha amante são fiéis, e que sou o único homem nas vidas delas. As duas dizem que me adoram e que só sentem tesão por mim".

Apesar de ser infiel, ele valoriza a fidelidade da esposa e da amante. Será que é exatamente por ser infiel que a fidelidade feminina é um valor tão importante para ele?

"Não quero saber se minha mulher ou minha amante já me traíram, não vou buscar a verdade pois sei que posso encontrar algo se ficar procurando. Mas acho que elas me contariam se tivessem algum caso. Prefiro que não me contem, o mais importante é que eu confie 100% nelas e acredite que são fiéis".

Chamei de "fidelidade paradoxal" ou de "paradoxo da fidelidade" esse tipo de comportamento: uma espécie de "cegueira voluntária", consciente e deliberada. A necessidade de ser o "único", no caso dos homens, ou a "número um", no caso das amantes, parece esconder um profundo conflito entre o desejo de liberdade sexual e a importância da confiança nos relacionamentos amorosos.

Compreender as lógicas e justificativas masculinas e femininas para a traição pode ajudar a entender melhor os nossos próprios conflitos e contradições no amor e no sexo. Afinal, quem não quer o melhor dos dois mundos: liberdade e segurança ao mesmo tempo?

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.