Mirian Goldenberg

Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"

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Mirian Goldenberg
Descrição de chapéu machismo casamento

O sexo das mulheres machistas

Mulheres também patrulham as escolhas, comportamentos e desejos femininos

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Os brasileiros estão preocupados, apavorados e sofrendo com a guerra, com a pandemia, com o desemprego e a fome, além das nossas crises e misérias familiares e existenciais. Chegamos a um ponto de exaustão e de saturação: tudo já foi dito, repetido e escrito sobre as nossas raivas, ódios e sofrimentos insuportáveis. Meu melhor amigo Guedes, de 98 anos, que sempre buscava uma notícia boa para me dar nas nossas conversas diárias, já desistiu: "Infelizmente, nenhuma notícia boa, nada, nadinha".

Será que, apesar da tragédia brasileira, homens e mulheres continuam amando e transando? Parece que sim, pois ontem um jornalista me perguntou: "A nossa vida amorosa e sexual será muito diferente do que era antes da pandemia? O sexo como conhecemos hoje será uma coisa do passado?"

Respondi que muitos casais que tenho pesquisado estão sem tesão e pararam de transar; que muitas mulheres adotaram o vibrador como o melhor amante e encontraram novos prazeres e prioridades; que homens e mulheres traíram os parceiros virtualmente e ficaram viciados em pornografia; e que muitos se separaram por falta de companheirismo, compreensão e cuidado, não por falta de sexo.

Em manifestação, mulher mostra cartaz escrito Machismo Mata
Manifestação na avenida Paulista, em apoio ao Dia das Mulheres - Bruno Santos - 8.mar.22/Folhapress

Contei que os homens quase não falam sobre questões mais íntimas, mas, quando falam, demonstram que sofrem pressões dos amigos e das mulheres com relação à performance sexual que foi muito afetada pela pandemia.

As mulheres falam mais sobre a falta de tesão, o fantasma da traição e o medo do fim do casamento. Muitas afirmaram que, durante a pandemia, descobriram que não podem confiar em seus cônjuges, familiares, amigos e amigas. Para elas, a confiança é muito mais importante do que o sexo, em qualquer tipo de relacionamento.

É recorrente no discurso feminino a ideia de que o machismo existente na sociedade brasileira é fortalecido e reproduzido também pelas mulheres, como mostrou uma psicóloga, de 65 anos.

"A patrulha sobre o comportamento sexual da mulher nunca deixou de existir. Quando eu era jovem, a patrulha era: 'Não transe, seja difícil, se transar não vai casar nunca, vai perder o namorado'. Paradoxalmente, fui xingada de neurótica porque casei virgem aos 25 anos. Até hoje é assim. Minha neta quer transar só quando estiver apaixonada e sofre a maior patrulha das amigas. Por outro lado, ela xinga de piranha uma amiga que já transou com três garotos. Neuróticas ou piranhas? Santas ou putas? Só existem duas opções para as mulheres?".

As próprias mulheres patrulham as escolhas, comportamentos e desejos femininos.

"Tenho uma cunhada metida a sexóloga. Ela quer me vender vibradores de mais de mil reais, pode? Parece que quer impor uma ditadura do orgasmo, vive cagando regra sobre o que é certo ou errado: ‘Você tem que transar. Sexo é saúde. Sexo é vida’. Como assim? Sem sexo estou morta? ‘Se não transar vai perder o marido, ele vai procurar outra mulher que goste de transar’. Ela defende transar fora do casamento, fazer suingue, poliamor. Não aceita um relacionamento monogâmico, diz que fidelidade é machismo, patriarcalismo, sexismo. Repete clichês como um papagaio: tudo é culpa do machismo".

Para a psicóloga, a cunhada também é machista, já que é autoritária, intolerante e preconceituosa com as escolhas da grande maioria das mulheres que são vítimas do machismo.

"Ela me xinga de neurótica, doente e velha porque tenho mais tesão em uma boa noite de sono do que em transar com o George Clooney. E xinga minha filha de piranha, puta e ninfomaníaca, só porque ela tem 43 anos, casou e separou três vezes, e agora está namorando um rapaz de 25. É contraditório pregar a liberdade feminina e usar o imperativo ‘tem que’ transar, ‘tem que’ satisfazer seu homem, ‘tem que’ ter tesão. Como algo tão individual, tão subjetivo, tão dependente do momento de vida que estamos atravessando, pode ser patrulhado por uma tirania de ‘tem que’?".

Ela conclui: "Não é sobre sexo: é sobre liberdade. É inacreditável como muitas mulheres, apesar do discurso de liberdade, também podem ser machistas, não é mesmo?"

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior deste texto afirmava que a filha da psicóloga citada tem 43 anos, mas ela tem 40.

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