Mirian Goldenberg

Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"

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Mirian Goldenberg
Descrição de chapéu Corpo

Não se nasce palhaça: torna-se palhaça!

A arte de envelhecer com humor, sabor e amor

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Em maio de 2021 concluí um pós-doutorado com uma pesquisa sobre a importância da autonomia para mulheres e homens de 90 a 99 anos. Seis meses depois, comecei um novo pós-doutorado em psicologia social para analisar a convivência, muitas vezes conflituosa, entre diferentes gerações dentro de uma mesma família.

Após ler inúmeros livros e artigos científicos, constatei a importância do humor para a saúde física e emocional das pessoas mais velhas. Fiquei fascinada pelo tema e decidi entrevistar mulheres de mais de 60 anos que são palhaças, comediantes, humoristas, atrizes e influenciadoras digitais que usam o humor como ferramenta de trabalho.

Foi assim que conheci a atriz Angela Dippe, que atuou no "Castelo Rá-Tim-Bum" (TV Cultura, 1994), na minissérie "Maysa" (TV Globo, 2009) e na novela "Carinha de Anjo" (SBT, 2016). Ela me contou que ser palhaça é mais do que uma escolha profissional, é uma filosofia de vida e, mais ainda, uma arte de envelhecer.

Sentada em um banco, a atriz Angela Dippe estende a perna esquerda para cima e a segura com a mão esquerda, enquanto mantém a perna direita dobrada
A atriz Angela Dippe diz que ser palhaça é mais do que uma escolha profissional, é uma filosofia de vida, uma arte de envelhecer - Divulgação

"Eu nasci no dia 10 de dezembro de 1961, Dia do Palhaço: nasci careca, com a cara pintada de vermelho Merthiolate e com a roupa do lado avesso. Eu já nasci trolando o meu pai, que estava esperando um menino: era o sonho da vida dele. Talvez por ter tido um pai muito desqualificador e exigente, compensei rindo das minhas imperfeições, faltas e defeitos. Ser palhaça é a forma que encontrei para sobreviver. Sempre ri muito de mim mesma, nunca me levei a sério, sempre fui muito brincalhona, nunca tive medo de brincar com tudo. Eu nasci para ser palhaça".

Com 18 anos, ela desistiu da faculdade de direito para seguir a carreira artística.

"Eu tenho muitas versões de mim mesma que me habitam. Meu ex-marido sempre me dizia: ‘Reúne todas as Angelas no quarto e escolhe uma só para vir discutir comigo senão vou ficar doido’. Fiz muitas cagadas, mas, com a maturidade, entendi que era o que eu podia ter feito na época com as ferramentas emocionais de que eu dispunha".

Para Angela, ser palhaça é transformar os problemas, obstáculos e perrengues em brincadeiras, piadas e risadas. É ser desastrada, estabanada, destrambelhada, bagunceira e desarrumada. É ter sempre um sentimento de inadequação, uma constante sensação de absurdo, de lúdico e de alegria. É ter a imaginação mais rápida do que a inteligência, um olhar curioso e ingênuo, um coração de criança e não guardar mágoas de ninguém. É ser independente, desobediente e corajosa. É ser um mix de Rita Lee com Leila Diniz.

"Ser palhaça é saber rir de mim mesma, inclusive em situações de perigo e de medo. É aceitar minhas limitações, ambiguidades e contradições. É ser criativa e autoral, preferir o improviso e o espontâneo. É saber que, quando uma piada não dá certo, é melhor seguir em frente em vez de ficar me lamuriando e me autoflagelando. E que, quando acontece um fracasso, é melhor passar para a próxima piada rapidamente e não perder tempo ficando arrasada".

Ser palhaça é inverter a lógica dominante, transformando aquilo que é considerado negativo em algo positivo: exibir as vergonhas que todos escondem; dar risadas dos piores defeitos e ter coragem de enfrentar os maiores medos. Ser palhaça é, simplesmente, deixar a criança que mora dentro de cada um de nós brincar livremente.

"Já me comparei muito com os outros, com pessoas que têm mais reconhecimento profissional, mais organização em todas as áreas, desde os pensamentos até o guarda-roupa. Mas, com a maturidade, aprendi a me comparar menos, pois a cobrança e a comparação provocam muito sofrimento.

Aprendi a ser mais gentil e me cobrar menos, a estar sempre alegre e com um sorriso nos lábios para, se ou quando precisar, a pessoa que cuidar de mim na velhice ficar feliz de ser minha cuidadora. Se eu tiver a sorte de envelhecer, espero não ser uma velha chata, não perder a autonomia e, principalmente, não perder meu humor e meu jeito palhaça de ser".

Como escreveu Manuel Bandeira: "Uns tomam éter, outros cocaína. Eu já tomei tristeza, hoje tomo alegria". Se alguém me perguntar o que eu quero ser quando envelhecer, já sei como responder: quero ser palhaça! E você?

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