Mirian Goldenberg

Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"

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Mirian Goldenberg
Descrição de chapéu Corpo casamento

O fantasma da traição

Falta de sexo pode provocar insegurança, desconfiança e sofrimento

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Em 2007, passei alguns meses na Alemanha apresentando a minha pesquisa "O Corpo como Capital na Cultura Brasileira" em oito universidades.

Algumas mulheres alemãs, na faixa dos 50 aos 60 anos, me contaram que não existia mais sexo em seus casamentos. O que elas mais valorizavam no parceiro eram o companheirismo, a conversa, os projetos profissionais e os interesses em comum.

Sobre a importância do sexo? Elas disseram que não era tão relevante assim, dentro e fora do casamento. Afirmaram que não traíam seus parceiros e acreditavam que eles também eram fiéis.

Naquele momento, achei que esse tipo de relacionamento seria inimaginável no Brasil. Acreditava que os casamentos sem sexo não sobreviveriam, a não ser que o casal, especialmente o homem, fizesse sexo com outras mulheres.

Homem idoso dormindo e mulher idosa sentada na cama com a expressão de desânimo
Freepik

Descobri que estava enganada. Na minha pesquisa atual, com mulheres de mais de 50 anos, descobri que existem casamentos sem sexo que são considerados felizes e satisfatórios.

No entanto, diferentemente das mulheres alemãs que eu entrevistei, as mulheres brasileiras que tenho pesquisado consideram a ausência de sexo um grave problema, um fracasso pessoal e até mesmo uma patologia do casamento.

Algumas me disseram que a pandemia foi uma espécie de "bomba atômica na libido do casal". A tristeza, o desespero e a depressão com doenças e mortes de pessoas queridas, o isolamento e a convivência intensa com o parceiro, a exaustão e o estresse com problemas familiares e profissionais foram, segundo elas, um desastre para a vida sexual. Casais que, antes da pandemia, tinham uma vida sexual frequente e satisfatória, pararam de transar por meses e até mesmo anos.

Uma professora universitária, de 57 anos, me contou que, desde março de 2020, não sente vontade e energia para transar e que tem sérias dúvidas se o tesão irá voltar algum dia. Para ela, o problema não é a falta de sexo em si, já que chega ao orgasmo com seus brinquedinhos e vídeos pornôs. Seu medo é ser traída, rejeitada ou abandonada pelo marido.

"Por que meu marido não sente mais tesão por mim? Será que é porque estou velha, feia, flácida e gorda? Será que não sou mais desejável e atraente para ele? Será que ele sente tesão por outras mulheres mais jovens e bonitas? Será que ele vai me trair ou já está me traindo? Será que ele está interessado em outras mulheres? Será que ele se masturba assistindo a vídeos pornôs ou conversando virtualmente com outra mulher? Como será que ele está se satisfazendo sexualmente?"

As dúvidas e incertezas provocam muita insegurança e sofrimento. Ela não acredita que um homem de 55 anos consegue viver sem sexo, apesar de o marido dizer que não está sentindo falta e que está bastante feliz e satisfeito com o casamento.

"Ele diz que a falta de tesão é consequência do estresse e da exaustão com o trabalho. Acha que vai passar, que é uma bobagem se preocupar com sexo em meio a tantas coisas mais sérias que estamos enfrentando. Para ele, a ausência de sexo não é uma falta, uma perda ou um fracasso. É simplesmente algo natural em um momento de tantas crises e tragédias."

O fantasma da traição passou a ser o maior problema do casamento. Se ele diz que quer sair com os amigos, ela fica desconfiada: "Será que ele vai mesmo encontrar com os amigos ou é uma desculpa para transar com outra mulher?". Se ele demora um pouco mais a chegar do trabalho, ela acha que é mentira: "Será que ele está no trabalho ou está com a amante?".

Não pela falta de sexo, mas pela insegurança e desconfiança, ela passou a ficar obcecada com o fantasma da traição. Tem a certeza de que o marido mente quando diz que não está interessado em fazer sexo com outras mulheres. O sofrimento causado pela falta de confiança no parceiro se tornou uma questão muito mais grave do que a falta de sexo.

Em uma cultura considerada "campeã do sexo", como mostrei no livro "A Arte de Gozar: Amor, Sexo e Tesão na Maturidade", como lidar com o sofrimento, desconfiança e insegurança provocados pela ausência de sexo nos casamentos? Afinal, é possível ser feliz no amor sem sexo?

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