Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Não voto há 16 anos; anulo, não me sinto representada ', diz Carolina Ferraz

Ela diz trabalhar por mais igualdade para as filhas e que 'agora as protagonistas são as mulheres'

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A atriz Carolina Ferraz em entrevista para a coluna Mônica Bergamo
A atriz Carolina Ferraz em entrevista para a coluna Mônica Bergamo - Keiny Andrade/Folhapress
São Paulo

“Você viu isso na Wikipedia? Jura?!”, surpreende-se Carolina Ferraz ao ser perguntada pela coluna se seu pai foi morto por um pistoleiro em Goiânia (GO). “Sim, ele foi assassinado. E meu irmão morreu de Aids”, diz a atriz de 50 anos sobre as informações que constam na página da enciclopédia virtual dedicada a ela. 

 

“Os homens tiveram mortes violentas na minha família, infelizmente”, lembra. “Mas já faz muito tempo. Eu convivo muito bem com a minha vida, a minha história. Nunca fui vítima das minhas tragédias.”

 

“As mulheres [da família] sobreviveram. Superamos os problemas. Minha mãe que tomou conta desse barco e levou ele adiante”, conta a atriz sobre a matriarca, ex-professora que atualmente tem 80 anos. “É uma mulherada toda à minha volta [risos].” 

 

Carolina é mãe de Valentina, 23, e Izabel, 3, frutos de dois casamentos diferentes. “A melhor coisa que eu já fiz até hoje é ser mãe das duas”, afirma. “É muito interessante o que os filhos provocam na gente também. Como é maravilhoso eu ter tido essa filha agora. É uma injeção de juventude, né? Inclusive os hormônios todos, fica tudo tinindo.”

 

Para ela, criar uma criança atualmente é mais difícil do que no passado. “Mas só sei disso porque eu tive uma 20 anos atrás. Naquele momento eu achava que o mundo estava no ápice da modernidade, que as coisas eram sensacionais”, compara. “Hoje tudo muda muito mais rápido.” 

 

Daqui a 20 anos, Carolina espera que suas filhas vivam em uma “sociedade mais igualitária”. “Estamos trabalhando para que sim, né?”, afirma a atriz. 

 

“Durante muitos anos os homens foram protagonistas da narrativa. Agora as protagonistas são as mulheres. Os rapazes vão ter que entender isso. Não significa que vá diminuir a presença do homem. Mas é bom que haja essa inversão. Se não, fica monótono.”

 

Carolina diz achar “assédio um saco”. “É careta, caído. Um exercício idiota de poder muito obtuso.” Formada em balé e já tendo trabalhado como modelo, ela afirma nunca ter sido vítima de um episódio do tipo. “Tenho amigas que passaram por situações bastante constrangedoras. É uma situação que durante muito tempo foi velada, e é bom que se revele.”

 

“Não sei como consegui passar invicta [sem sofrer assédio sexual]. Passei incólume. Graças a Deus. Tive aquelas coisas de estar andando na rua e alguém gritar: ‘Ê gostosa!’. Aí aproveitava essa hora mesmo e me achincalhava: ‘Tá na hora de fazer uma dieta’”, brinca —e gargalha. “Sempre que posso eu levo a coisa com piada, para descontrair.”

 

“Eu me considero uma atriz de formação cômica, embora as pessoas me vejam pouco como alguém que faz comédia”, afirma Carolina, que está em cartaz com a peça de humor “Que Tal Nós Dois?”, que encerra a temporada paulistana neste domingo (30) após ser prolongada por duas vezes. 

 

“[Geralmente me atribuem] essa imagem mais sofisticada, né? De rica”, complementa a atriz, que virou meme na internet graças ao bordão “Eu sou rica!” que usou com sua personagem na novela “Beleza Pura” (2008), da Globo. “Eu entendo, acho plausível.”

 

“O ator é a sucessão de papéis que ele consegue fazer. Não os papéis que ele tem competência para fazer. E acho que é assim em todas as profissões”, diz. “Se Freud fosse tudo o que foi e ninguém tivesse escutado a voz dele, ele simplesmente não teria existido. Para o artista, para o jornalista, é a mesma coisa, né?”

 

“Então se você não me viu muitas vezes fazendo comédias é porque não consegui fazer personagens cômicos tanto quanto eu gostaria de ter feito”, reflete Carolina, que foi indicada como melhor atriz no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro pela sua atuação no filme “A Glória e a Graça”. 

 

Carolina Ferraz trabalhou por 27 anos na Globo, emissora na qual ela entrou como apresentadora do “Fantástico” e integrou o elenco de novelas como “Por Amor” (1997) e “Kubanacan” (2003). Em 2017, a atriz teve o seu contrato rescindido. No mesmo ano, processou a emissora cobrando direitos trabalhistas. 

 

“De fato fechei [portas], né?”, afirma. “Eu tenho certeza absoluta que se eu não tivesse movido essa ação eu ainda estaria trabalhando lá. As minhas avaliações sempre foram boas”, afirma. 

 

Mas ela não se arrepende da iniciativa. “Ponderei bastante, acho justa. A emissora foi correta, me avisou que não haveria renovação um ano antes. Tentamos conversar, mas não conseguimos chegar a um acordo. Então eu não parti para uma atitude agressiva, revanchista”, diz. “E quer saber? Isso não representa mais nada, porque acho que é uma coisa que vai se resolver daqui a dez anos. Esquece. Lança na vida e vamos ver o que vai acontecer.” 

 

Entre 2014 e 2017, Carolina apresentou um programa de culinária no GNT. “Foi uma coisa que me humanizou muito. Porque o ator está sempre protegido pelo personagem, e ali me viam batendo colher, bebendo vinho, dando gargalhada”, avalia a atriz, que este ano lançou o seu segundo livro de receitas. Atualmente, ela diz estar se dedicando à produção de cinema e prepara um projeto para a TV aberta para o ano que vem, no qual será apresentadora —sem revelar detalhes. 

 

Carolina não vota há 16 anos. “Vou lá e anulo”, conta. “Não me sinto representada.” 

 

“Até me questionam sobre isso. É uma posição, sim. Não há uma pessoa, um partido, com quem eu sinta afinidade”, explica. “E do jeito que a coisa está encaminhada [para as eleições deste ano], me vejo absolutamente obrigada a anular mais uma vez. Infelizmente.” 

 

A atriz avalia que fazer cultura no Brasil “é muito difícil”. 

 

“Nós atores somos ‘vilanizados’ por essa questão das leis de incentivo. E acredito, infelizmente, que existam pessoas corruptas em qualquer área. Até na política [risos].”

 

“Mas sem as leis de incentivo, fica inviável”, diz. “Precisa-se criar maneiras para que as pessoas se interessem em distribuir cultura. E as leis de incentivo ajudam. Mas no Brasil sempre um acaba tentando tirar vantagem de uma situação, prejudicando toda uma classe que rala para fazer as coisas.” 

 

“A cultura é uma maneira de você entender qual é o país onde você está. Um jeito de explicar ao mundo como é você como nação”, defende. “A gente vive numa sociedade que cria cidadãos para que eles mesmos não transcendam.”

 

Para ela, a arte passa por fases e “tem que ser questionada sempre”. “Inclusive sobre o que é ou não arte”, diz. “Mas o debate não pode parar no moralismo. Nunca.” 

 

“Eu posso, na minha casa, questionar se [uma peça ou exposição] é arte. Mas aquilo tem que existir no mundo. E eu posso ir ou não. Mas eu sou a favor, sempre, da liberdade de expressão. Irrestrita.”

 

“Ainda escrevem que eu nasci em Morrinhos?”, pergunta Carolina, referindo-se ao verbete sobre ela na Wikipedia –que aponta o município goiano como sua cidade natal. “Caramba, alguém deve ser muito fã de Morrinhos [risos]. Nada contra, é uma cidade linda. Mas eu nasci em Goiânia! Já corrigi umas 30 vezes, mas desisti. Reza a lenda que eu nasci em Morrinhos. Deixa, né?” 

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