Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Mônica Bergamo

'O Brasil está numa crise de ídolos', afirma o ex-jogador Walter Casagrande

Ele fala sobre drogas e diz que se prepara para ver o filme sobre a sua vida: 'Vai ser difícil pra cacete'

Bruno B. Soraggi

“Quando vira dependente químico, você acelera. É que nem vitrola, sabe? Que toca em 33 rotações e quando põe em 45 fica muito mais rápido e você não entende nada”, compara o ex-jogador de futebol 
Walter Casagrande Jr., que trata do seu vício em drogas desde 2007. “Já estou limpo há muito tempo”, diz. 

O ex-jogador e comentarista Walter Casagrande Junior, na Rede Globo
O ex-jogador e comentarista Walter Casagrande Junior, na Rede Globo - Bruno Santos/Folhapress

“O dependente vira a vida na rotação 45. O pico de prazer fica lá em cima. Quando para de usar, a vida volta às 33 rotações e você tem que se habituar ao prazer que ela te dá. E normalmente é um prazer mediano. Demora para você gostar desse prazer mediano.”

“Nada na minha vida mais quero que faça um pico de prazer como eu tinha quando fazia um gol ou usava droga. Hoje eu curto um prazer mediano. Vou ao cinema, ao teatro, e saio com um puta prazer”, conta o corintiano e fã de música, cuja vida será contada em um filme que deve estrear no segundo semestre de 2019. Para janeiro, ele organiza um show em homenagem a Luiz Gonzaga.

Casagrande conversou com a coluna na sede da TV Globo em São Paulo.

BIOGRAFIA NO CINEMA

Vai ser difícil pra cacete eu assistir ao filme. Porque eu vou ver um cara que vai parecer muito comigo fazendo tudo o que eu fiz no passado, as coisas legais e ruins. Mas eu vou. Vou digerir isso. Vou trabalhar antes e trabalhar depois. Já estou trabalhando. É tema de conversas [na terapia]. 

LEGALIZAÇÃO DAS DROGAS

Acho que não é o momento. Tem que resolver coisas como o desemprego, evoluir. A gente não sabe qual vai ser o nosso futuro. Não dá para ficar pensando em liberar drogas enquanto o Brasil está assim. 

 

Ninguém sabe quem vai virar dependente químico. Tem gente que chega em casa e bebe um uísque, fuma um baseado ou até dá um tirinho de cocaína no fim de semana, mas trabalha, a vida funciona. A do dependente químico não funciona. Ele fica quatro dias usando. É esse esclarecimento que tem que ter. Para, na hora da escolha, saber o que escolher. Esse negócio de “diga não às drogas” não funciona. O cara que não usa fala “diga não por quê?”. As pessoas têm que saber por que dizer não. 

NEYMAR

[Em fevereiro deste ano, Casagrande chamou Neymar de “mimado”]. Naquela época eu achava isso, e foi comprovado que era isso. Você viu o que aconteceu na Copa. Foi muito ruim o comportamento dele. Teve chacota no mundo todo em relação ao Neymar. Espero que isso tenha mexido muito com cabeça dele. A vida pessoal dele só interessa a ele. Dentro do campo, interessa muito a nós, brasileiros, que desde 2002 não ganhamos uma Copa do Mundo. Então, espero que ele pense: “Em 2022 eu quero arrebentar”. Acho que ele pode e consegue fazer isso. 

TITE

O Tite é um grande treinador. Muito bom. Agora menos do que a gente achava antes da Copa [deste ano, na Rússia]. Mas ele tem que ser o técnico da seleção. Acho que foi certo renovar o contrato dele. 

 

Só que ele fala umas coisas que me assustam. Como na entrevista ao programa “Redação SporTV” [no começo deste mês]. Ele disse que as quatro melhores seleções da Copa foram Bélgica, França, Brasil e Croácia. Cara, nós não chegamos entre as quatro [o Brasil perdeu nas quartas de final]. Tem que ter noção do que fala. As quatro que ficaram entre as quatro são as quatro melhores. 

SÓCRATES

Ainda penso muito nele [os dois jogaram juntos no Corinthians na década de 1980 e foram ícones do movimento Democracia Corintiana]. Durante a semana, umas três ou quatro vezes. Sinto muito a falta da presença do ‘Magrão’ [apelido de Sócrates] hoje, como estou. Nós fomos amigos pra caralho, mas ele bebia muito e eu era um louco com a droga. Hoje estou sóbrio e vou ficar sóbrio pra sempre. Penso: “O ‘Magrão’ poderia estar aqui para conversar comigo agora”. 

ÍDOLOS

O Brasil está numa crise de ídolos. Não se pode forçar uma pessoa a virar ídolo. Isso se conquista com o tempo, personalidade, carisma. Não é empurrado goela abaixo. 

 

O maior jogador do Brasil hoje é o Neymar. Tem muita gente que gosta dele mesmo. Mas ser um ídolo nacional, ele ainda não conquistou isso.

JOGADORES ENGAJADOS

É muito claro que eles [maioria dos jogadores de futebol hoje] não têm nenhum interesse em se envolver com nada. Nada de nada. É muito raro alguém falar alguma coisa. Eles não estão interessados. E aí é problema deles, cara. Vai obrigar a pessoa a se interessar por alguma coisa?

 

Nunca fui contra [jogadores se posicionarem a favor de Bolsonaro]. Acho que foi sensacional a participação desses poucos. A escolha deles é diferente da minha, mas nós vivemos numa democracia. É assim que funciona. 

 

Contestei o tipo de escolha. Você sabe quem está escolhendo? Para quem está fazendo propaganda? Se sabe, beleza. 

 

Tem que se manifestar. O interessante é as pessoas participarem da política. Só assim dá para o Brasil começar a mudar. Estamos num momento muito crítico. 

 

Eu era muito radical. Mas fui amadurecendo. Não sou mais. Sou extremamente democrático. Não faço nada na vida que não seja democrático.

 

Agora o Bolsonaro ganhou. Democraticamente —as pessoas votaram nele. E aí tem que ver o que vai ser pra frente. Deixa a coisa rolar. Pode ser tão horrível ou pode ser... Mais ou menos. Maravilhoso acho que não vai ser [risos]. 

 

[Se ele pensa em entrar para a política ou cartolagem?] De jeito nenhum. Sou comentarista, cara. Ficar opinando é muito mais legal [risos].

FALA, 'CASÃO'

Acho que eu fui contratado [pela Globo] porque tenho opinião. Não porque sou bonito, porque não sou, nem elegante, porque também não sou. É porque demonstrei uma certa personalidade. E o meu trabalho é opinar. 

 

Estou [na Globo] há 21 anos. Sei o limite da casa. Toda empresa tem um limite de liberdade de expressão. Você pode falar qualquer coisa. Mas não faz sentido. Eu sei muito bem esse limite. Não ofendo ninguém, faço as minhas críticas do jeito que tem que fazer. 

 

Me sinto preparado para dar opinião sobre qualquer coisa. Quando eu não sei, não dou. A Globo nunca chegou pra mim e disse: ‘Não fala isso’. 

 

Tanto que quando eu falei que o Neymar era “mimado”, explodiu o negócio, o pai dele foi escroto pra cacete e a única coisa que a Globo falou foi pra deixar baixar a poeira. Eu achei certo. [Sem citar o nome de Casagrande, o pai do atacante da seleção usou uma rede social para dizer que “no universo do futebol” há “pessoas com comportamento de abutre”].

 

Ninguém vai chegar pra mim e dizer o que eu devo ou não falar. Jamais eu ia aceitar. Sou contra a censura totalmente.

 

Meu estilo é o seguinte: eu dou a minha opinião sobre o assunto e é aquela. Segue o jogo. Não estou sacaneando ninguém. Estou dando a minha opinião, e às vezes isso fere.

 

Tudo o que você fala tem uma consequência. E quando trabalha na TV, tem que ter na cabeça, além da opinião, a consequência daquilo. As coisas que eu estou falando aqui já estou imaginando as consequências. Que alguém pode entender mal, vão falar que eu estou perseguindo. 

 

Mas avalio que é real falar. Que as consequências são de pessoas que discordam daquilo que eu estou falando. Não de eu passar do limite ou ofender alguém. Eu tô achando aqui que tudo o que eu falei está no limite da consequência. Mas às vezes eu erro.

FUTURO

Não me incomoda [falar do passado]. Só que eu estou falando dele há um bom tempo. E era lógico eu fazer [contar o que viveu]. Ainda não tinha alcançado um patamar de virar a página. [Quando eu voltei sóbrio da Copa], eu virei. Já estou limpo há muito tempo. Acho que as pessoas têm que se interessar pelo meu futuro. 

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