Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Há uma demonização de que o artista virou nocivo à sociedade', diz Edson Celulari

Aos 60 anos, ator cogita ter outro filho e aguarda 2019: 'Tomara que a gente não retroceda'

Retrato do ator Edson Celulari
Retrato do ator Edson Celulari - Ricardo Borges/Folhapress
Bruno B. Soraggi

Com 60 anos de idade, 40 de carreira e gravando de segunda a sábado o seu primeiro papel de protagonista depois de um câncer recém-curado, o ator Edson Celulari brinca: o “segredo” para manter a sua disposição é o tênis de mesa, esporte que ele pratica desde a sua infância em Bauru, no interior de São Paulo. 

 

“Descobriram uma vez que a energia desprendida por um profissional de alto nível de tênis de mesa é maior do que a de um jogador de vôlei”, diz o ator, atualmente no ar na novela “O Tempo Não Para”, da Globo. “Aí você fala: ‘Será?’ Mas é um esporte de uma pessoa e tem essa tensão para você ter um reflexo. Quando a bola saiu da outra raquete você já tem que estar com a resposta.”

 

“Sei lá o que pode acontecer [com o envelhecimento]. Mas acho que com o tênis de mesa eu vou estar sempre com bom reflexo. Curvadinho, mas rapidinho. Elétrico [risos].” 

 

“Claro, ter 60 anos é ter 60 anos. A energia muda, os seus tempos também. A sua cabeça se organiza diferente, e até o uso do seu corpo. Mas o entusiasmo, esse permanece.”

 

“Eu gosto disso [atuar]. Não é uma rotina, um sofrimento. Acordo com vontade de pegar o texto [da novela] e trabalhar. É um grande prazer. É sopa no mel, como se fala.”

 

“Chego esgotado em casa. Mas não totalmente esgotado. Ainda tem a reserva do combustível. Porque é uma missão cumprida”, diz. “A cada dia a natureza te propõe uma forma diferente de ver as coisas e se instalar no cotidiano. Todos nós temos a possibilidade de usar isso de forma inteligente.” 

 

“Não dá pra ficar na frente do espelho falando: ‘Caraca, mais uma ruga!’. Tem que saber que o tempo chega. Que bom que eu sou um homem de 60 anos com essa produtividade.”

 

Em 2016, Celulari foi diagnosticado com linfoma não-Hodgkin, mesmo tipo de câncer que teve Reynaldo Gianecchini. Após um ano de tratamento, ele diz estar curado.

 

“É um susto [descobrir que está com câncer]”, lembra ele. “Porque, assim: a finitude é para todos. Nós temos um ciclo, e a vida é isso, você nasce e morre. E quando você morre velhinho, já está mais cansado e vivido a ponto de entender as coisas. Inclusive que o o seu fim está chegando.”

 

“Agora, quando isso [a ideia de morrer] vem antes desse período... Porque não é um acidente. Você recebe a notícia que tem uma doença que pode ser fatal. Pensei: ‘Opa, estou com 58 anos. É cedo’.”

 

“A primeira coisa que eu pensei foi na minha vida, filhos, afeto. Vem um branco. Quando descobri que era um câncer com tratamento e muita chance de dar bom resultado, a notícia não podia ser melhor”, conta.

 

“Aí você tem o ciclo de tratamento. As pessoas queriam notícia. A minha opção foi me recolher. Todos respeitaram. É o seu espaço. E eu não ia abrir mão daquilo. Era o meu momento comigo mesmo e pronto”, diz. “Fui cercado de carinho”, lembra. “Aí você pensa em dar uma organizada na vida. Priorizar o tempo, valores. O que é importante para mim, para o humano.” 

 

“Uma das coisas que eu fiz foi essa promessa com a Karin [Roepke, 36, com quem ele está junto há sete anos]: ‘Assim que sair do hospital a gente vai se casar na Toscana. E fizemos”, conta o ex-marido da atriz Claudia Raia, mãe de seus filhos Enzo, 21, e Sophia, 15. Ele diz conversar com Karin sobre ter um novo filho. “Não é para agora. Mas a gente levanta a possibilidade, sim.”

 

“Gosto da função [de ser pai]”, afirma. “Adoro essa ideia de que aquele ser é o seu filho, mas ao mesmo tempo é para o mundo.”

 

“O ser humano é bruto, né? E ele tem que ser adequado. A ideia de observar e interferir na medida certa. De falar não. A falta do não é um erro. E também para estimular. [O pai] não é só aquele que limita. É aquele que entende.”

 

“Criar um filho faz parte desse jogo da vida”, diz. “E sei que sou imperfeito. Já errei, vou errar e me dou o direito de errar. Dá para corrigir no caminho. O bacana é sair para a vida e encontrar o inesperado.”

 

Edson é filho de funcionários públicos. Quando criança, seus pais abriram uma cantina na escola em que ele estudava. “Pra entrar [na lanchonete], tinha que passar pelo teatro da escola. E eu ficava imitando coisas no palco. Aí tinha um grupo de teatro e comecei a me aproximar dele”, conta.

 

“Eu fazia [teatro] escondido do meu pai, porque ele queria que eu tivesse um diploma importante. Ator era visto como algo estranho, né? Bicho grilo, ligado à maconha, à homossexualidade. Mas ele teve a sensibilidade de perceber que o filho tinha aquele interesse.”

 

“Um dia eu escrevi um monólogo que dirigi e em que atuei. Era sobre um mendigo em dia de Natal, solitário e sonhador. E fiz no palco, meu pai na plateia. No fim, ele falou: ‘Você tem jeito [para atuar]. Tem escola pra isso?’. Eu respondi: ‘Sim! Na USP.’ Ele: ‘Dá pra se inscrever?’. Eu: ‘Já me inscrevi, pai.’ Na época eu prestei engenharia, odontologia e teatro. Passei no teatro. E ele adorou.”

 

Edson vê uma “demonização” da classe artística por setores conservadores do país. “Uma coisa de que somos nocivos à sociedade”, avalia. “Eu já usei Lei Rouanet algumas vezes, com a maior dignidade. E não me sinto atingido por esse tipo de imagem [de que artistas abusam do dinheiro público ao recorrer a leis de incentivo].”

 

“Há muito tempo a cultura no Brasil está num plano menos importante do que merecia estar”, diz. Edson lembra de um episódio nos anos 2000, quando ele se ofereceu para apresentar gratuitamente a peça “Dom Quixote” para alunos de escolas públicas de SP.

 

“Procurei a secretaria de cultura. Lembro que ofereci uma ou duas sessões semanais”, conta. “E a pessoa me disse: ‘Mas a gente vai ter que organizar os ônibus...’ Cara, quando eu escutei aquilo! Fiquei muito chateado”, conta. “Como pode? Eu estava oferecendo um clássico da literatura mundial, a história de um sonhador. ‘É difícil pra gente organizar os ônibus’. É pra desistir, né?”

 

Ele avalia que a classe artística deveria se organizar melhor para eleger representantes na política. “Todo segmento precisa ter um. E não vejo que a gente tenha se organizado para eleger alguém que pudesse nos representar. Assim como eu acho que a nação só vai conquistar o que merece se ela se organizar.”

 

Ele não revela em quem votou. Sobre o futuro governo, prefere “não pré julgar”. “Como artista e cidadão, tomara que não sejamos atingidos com censura, proibições. Tomara que a gente não retroceda”, emenda. “Quero acordar mais otimista a cada dia, só que está difícil. Mas também não sou pessimista.”

 

“A função do artista se espalha em muitas. No entretenimento, na informação, no estímulo. Ele é aquilo que está ao seu redor. Só vai conseguir ter uma voz plena se viver a vida”, diz. “Essa ideia de viver ao redor da piscina, tomando drinques, é hollywoodiana. É mentirosa.”

 

Edson está com um projeto de filme do qual será diretor. Para isso, estudou cinema na Espanha. “Queria ser aluno de novo”, conta. “Ter a possibilidade fantástica de, aos 60 anos, ainda estar absorvendo coisas que, somadas à minha experiência... Caramba, vira uma esponjona!”. 

 

“Uma reflexão que eu tive nesse meu ano de recolhimento é a de tocar a vida. E é isso. Em vez de ficar cansado, simplesmente tocar a vida.”

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