Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Sempre fui de grupo, de time, de banda, de praia, de rua', diz Evandro Mesquita

O ator lembra o dia em que fumou maconha com Bob Marley no sítio de Chico Buarque e diz que se enxerga vinte anos mais jovem

Evandro Mesquita em sua casa no Rio de Janeiro
Evandro Mesquita em sua casa no Rio de Janeiro - Ricardo Borges/Folhapress
Bruna Narcizo

Evandro Mesquita resolveu viajar os mais de 500 km do Rio de Janeiro até Santos quando, aos 19 anos, descobriu que na cidade do litoral paulista vivia um tatuador holandês que começava, na época, a estampar a pele dos cariocas com “dragões e águias”.

 

Com amigos, o ator e músico embarcou em um ônibus em busca de Tattoo Luck, como o holandês era conhecido, no porto da cidade paulista, “o único que tatuava no Brasil na época”, segundo Evandro. 

 

“Ele dava para a gente ver umas revistas de sacanagem da Suécia que era para anestesiar. Doía pra caramba, era quase um prego [que Tattoo Luck usava para fazer os desenhos]. Voltei [para o Rio] com febre”, conta ele, que garante que a águia que tem até hoje é uma das primeiras tatuagens do Rio.

 

E foi nela que o ator pensou quando recebeu o diagnóstico de hepatite C, no início dos anos 2000. “Fui fazer um check-up normal. Aí me ligaram e contaram”, diz. 

 

Mas a suspeita de contaminação no porto de Santos ficou em segundo plano quando ele se lembrou de outro episódio. “Levei uma pranchada na cabeça quando fazia [a novela] ‘Top Model’ [em 1989] surfando na praia da Macumba [no Rio] e perdi sangue pra caramba. Eles me deram dois saquinhos de sangue [via transfusão], que deviam estar premiados. Naquela época não tinha o controle que existe hoje.”

 

Evandro diz que está curado. “Fui meio cobaia, tinha um tratamento experimental no Hospital do Fundão [Hospital Universitário Clementino Fraga, da Universidade Federal do Rio de Janeiro]. Era uma coisa que tava vindo lá de fora. Eram uns 10 comprimidos por dia.”

 

O ator conta que parou de beber assim que recebeu o diagnóstico. “Pra falar a verdade, eu nunca gostei muito de beber. Fiquei bêbado poucas vezes. Gostava de uma cachacinha, mas nunca fui da cerveja pra cacete.” 

 

“Detesto bêbado. Tem coisas mais naturais, melhores do que ficar bêbado”, diz ele, que conta ter fumado maconha com Bob Marley. “Tava na praia com o Paulo Cézar Lima [que jogou a Copa do Mundo de futebol de 1970], a Regina [Casé] e a Patrícya [Travassos]. Estávamos indo embora. E ele me convidou pra jogar bola lá no sítio do Chico Buarque porque o Bob Marley tava lá. Puta que pariu, que convite!”.

 

O problema é que Evandro precisava ensaiar para uma peça de teatro. “Aí, as meninas já olharam e disseram: ‘Pô, mas tem ensaio’. E eu fiquei andando pra lá e pra cá até o PC entrar no carro e ir embora”. 

 

Então, ele decidiu que não iria ensaiar. “Elas saíram putas e eu precisava de um jeito para chegar no sítio do Chico. De repente eu vejo uma kombi e era o Paulinho Suprimento, o cara que levava bagulho pros Novos Baianos. Eu contei pra ele e fomos juntos”. 

 

Ao chegar no campo, no entanto, os times já estavam formados. “Tava o Chico, o Toquinho, o Alceu [Valença]. Eu era muito melhor do que todos eles e queria uma vaga, mas tava difícil”, lembra. Evandro conseguiu entrar nos cinco minutos finais. “Quando o jogo acabou, pedi a bola pro Bob, e eu fiz uma graça antes de mandar de volta pra ele. Aí ele foi falar comigo”. 

 

“O Paulo Suprimento chegou e cumprimentou o Bob, nesse momento já deixou um baseado na mão dele. Ele acendeu, mas o jamaicano não passa o baseado. Então, o Paulinho acendeu outro para nós. Foi um momento único.”

 

“Vivíamos um tempo de repressão, de ditadura militar, mas a gente parecia imortal. O Rio era nosso, apesar de tudo. Muito mais gentil do que esse Rio de hoje. É triste ver a cidade assim. Até o Maracanã, que era o nosso coliseu, os caras destruíram. Agora, está igual a qualquer estádio da Europa, de Porto Alegre ou de qualquer outro lugar. Perdeu a magia. E a gente soube depois o volume de grana que rolou por baixo dos panos”, conta.

Evandro afirma que se desiludiu com a política nacional. “As opções são terríveis. Eu acho chato os dois lados [esquerda e direita]. Já toquei em dois comícios: do [ex-governador do Rio Leonel] Brizola e do [ex-presidente] Lula. E me senti meio traído [depois dos escândalos envolvendo o PT].”

 

Desiludido com a classe política, ele diz que encontrou na música a maneira de expor suas críticas. O último disco da banda Blitz, “Aventuras II”, tem músicas que trazem versos como: “Políticos discursam pros pobres, mas o que eles querem é ficar ricos.” 

 

O álbum foi indicado ao Grammy Latino em 2017. “Gosto de tocar as músicas [conhecidas] que as pessoas querem cantar junto. Mas gosto de mostrar o que a gente tá pensando agora.” 

 

Já são 36 anos na estrada com a Blitz, mas foi no teatro que ele começou. “Eu tinha 18 anos e fui ver [a peça] ‘Hair’. Levei uma porrada e pensei: ‘Caralho! Isso pode?’ Tinha a Sônia Braga nua, um som do caralho, uma puta banda, um papo demais, os cabelos compridos.”

 

“Eu e uns amigos ficamos sabendo que o [diretor da peça] Ademar Guerra tava fazendo um elenco que ia viajar. E a gente foi pra cidade fazer uns testes para o elenco, no meio de uns veados velhos.”

 

Depois dessa experiência, ele resolveu se profissionalizar. Evandro namorava a atriz Zaira Zambeli, que fazia curso de teatro com o ator Sérgio Britto e o preparador corporal Klauss Vianna, e se matriculou. 

 

“Eu tinha uma disponibilidade corporal de praia e de esportes e um dia me falaram que queriam me apresentar um pessoal porque iam dirigir uma outra peça depois de ‘Hoje é Dia de Rock’ [que estava em cartaz no Teatro Ipanema].”

 

Evandro já tinha assistido à peça várias vezes. “Eles já eram meus ídolos. E eu fui lá e comecei a trabalhar nos bastidores. Teve um dia em que um dos atores não chegou e eu tive que entrar em cena.” 

 

“Essa peça foi um movimento muito forte. A gente viajava de ácido e fazia a peça, era uma época de desbunde.”

 

“Foi lá que eu conheci o pessoal do [grupo de teatro] Asdrúbal Trouxe o Trombone”, diz. Fundado por Regina Casé e pelo diretor Hamilton Vaz Pereira em 1974, o grupo movimentou a cena cultural carioca da época. Além de Evandro, também faziam parte do elenco da trupe os atores Luiz Fernando Guimarães, Patrícia Pillar, Nidia de Pádua e Patricya Travassos.

 

Agora, Evandro está fazendo o personagem Emílio na novela ‘Espelho da Vida’, na faixa das 18h da TV Globo. Fazia 15 anos que ele não atuava em um folhetim. O ator deu vida ao mecânico Paulão, do seriado ‘A Grande Família’, por nove anos. 

 

“Me divirto muito. Sempre fui de grupo, de time, de banda, de praia, de rua”, diz ele, que tem 66 anos, mas não gosta de dizer a idade. 

 

“O [lutador mestre em jiu-jitsu] Rickson Gracie me disse que quando você fala, fixa a idade em você. Eu acho que to com uns 45 anos quando me olho no espelho. As pessoas falam: ‘Poxa, você não envelhece. Parece que ficam torcendo.”

 

“Envelhecer é um caminho inevitável. Quem não envelhece morre.”

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