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Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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''Garota de Ipanema' hoje seria execrada', diz Toquinho

Em estúdio para gravar um novo disco, ele afirma que Bolsonaro é cria do Lula

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Toquinho estava sozinho na casa do poeta Vinicius de Moraes na manhã do dia 9 de julho de 1980. “O Vinicius tinha acabado de falecer. Tocou o telefone e era a minha mãe: ‘Ele morreu? O que vai ser de você agora?’”. 

O cantor Toquinho
O cantor Toquinho - Bruno Santos/Folhapress

Com 34 anos então recém-completados, Toquinho respondeu aos questionamentos da matriarca: “‘Mãe, eu não nasci com o Vinicius e vou continuar”. Ele hoje dá uma gargalhada. “Mãe é mãe!”. 

Toquinho e Vinicius tinham uma parceria de sucesso havia dez anos, com 34 discos lançados, mais de mil shows realizados e clássicos como “Tarde em Itapuã” e “Tonga da Mironga do Kabuletê”. 

Toquinho conta, no entanto, que a despedida do parceiro começou um ano antes. Em 1979, o “poetinha”, como Vinicius era conhecido, sofreu uma isquemia cerebral em um avião ao retornar da Europa.

“Ele foi indo embora muito antes pra mim do que pros outros. Ele tinha muitos momentos fora. Às vezes, estava na casa dele no Rio e ele falava pra gente ir no Cavalados, que era um bar que a gente gostava muito em Paris. E eu falava: ‘Não Vina, vamos amanhã, hoje não’. Ele ficava quieto um tempo e falava: ‘Eu falei negócio de Paris?’ Era assim. Ele já estava perdendo a memória. Eu convivia com isso, sem Vinicius, há muito tempo.” 

Na noite anterior à morte do poeta, ele e Toquinho passaram oito horas juntos. “Ele tava sentado meio quieto, não falava muito. A gente estava fazendo [o disco] ‘A Arca de Noé 2’ e eu musicando os poemas e mostrando para ele, que disse: ‘Toquinho, faz uma coisa? Faz tudo você! Não me pergunta mais nada. Não quero mais saber de nada dessas coisas, não’. Ele já estava indo embora mesmo. Não queria nem mais participar.”

Os dois se conheceram assim que Toquinho retornou de uma temporada na casa de Chico Buarque em Roma, em 1969, na época da ditadura militar. “O Sergio Bardott [compositor italiano] produziu um disco do Vinicius na Itália. Ele me levou para o estúdio e eu fiz uma série de solos, interligando tudo. Quando o Vinicius recebeu o disco no Rio, queria saber quem estava tocando.”

Toquinho estava em casa e tocou o telefone. “Minha mãe me acordou e disse que era o Vinicius no telefone. Eu já fui preparado para ser trote de amigos. Atendi e ele: ‘Oi. O Dori [Caymmi] não vai trabalhar comigo.’ E me convidou para uma turnezinha na Argentina”. 

“Eu tinha 24 anos quando encontrei o Vinicius. Já tinha uma porção de melodias armazenadas. Ele estava precisando de uma pessoa como eu e eu precisava de um letrista fixo. Peguei apenas o Vinicius de Moraes, de mão beijada”, conta o artista. 

A relação com a música havia começado dez anos antes, em São Paulo. “Nas festas das pessoas jovens só tocava bossa nova. A gente fazia reuniões para tocar violão e cantar. E conheci o Chico [Buarque] numa dessas reuniões.”

“Eu tinha 16 anos e me falavam: ‘Você conhece o carioca [apelido de Chico Buarque na época]?’ E falavam para ele que tinha um cara que tocava violão bem. Um querendo me apresentar o Chico e outro querendo me apresentar para o Chico.” 

Foi nessa época que a RGE gravou um disco compacto para eles. “Fomos para o Rio para divulgar o disco de ônibus e o Chico me falou que o Quarteto em Cy estava tocando “Pedro Pedreiro”, que era a música do disco do Chico”, afirma. O grupo estava fazendo uma temporada de shows em uma boate chamada Zum-Zum, em Ipanema.

“Fomos lá. Mas, ao chegar, o porteiro não deixou a gente entrar. E o Chico falou: ‘Tem uma música minha que elas tocam’. Mas não adiantou e a gente ficou ouvindo o show do lado de fora”, diz ele, emendando uma gargalhada. 

Ele não imaginava que, cerca de dez anos depois estaria ao lado de Vinicius, 
Tom Jobim e Miúcha no palco do Canecão. 

“Tive o privilégio de ficar com meus ídolos da geração anterior. Coisa que ninguém fez. Eu fiz. Tom [Jobim] era um Deus. Caymmi, Baden Powell, João Gilberto. E eu tinha essa ligação com esse pessoal por causa do Vinicius.”

Toquinho diz que o início da parceria com Vinicius foi difícil para alguém tão jovem. “Passei por cada barra com ele. Ele queria a chama da paixão [em relacionamentos] e isso não existe, não tem, é uma utopia. Ele chorou muito comigo. O Vinicius pagou caro por esses nove casamentos. Imagina que terrível passar por oito separações? Mudar de casa, de tudo. Ele teve cinco filhos de três mulheres diferentes. Uma confusão.” 

“Briguei muito com o Vinicius defendendo meu ponto de vista. Ele achava que se uma mulher quisesse ficar comigo, eu tinha que ficar com ela. Porque não fazer isso seria um desrespeito.”

Toquinho também rechaça as acusações de que Vinicius seria machista. “Ele tinha a alma mais feminina que eu conheci.” 

Toquinho entrou nessa semana em estúdio para gravar um disco de inéditas com canções feitas em parceria com Paulo César Pinheiro. “Fiz uma música com ele que fala de uma morena que passa. Linda. E eu dei para uma cantora gravar e ela gravou. Quando o disco estava sendo montado, ela me ligou e disse: ‘Toquinho, essa música não vai entrar. Minha galera não aceitou e eu não vou contra’. E tirou a música do disco”.

Ele diz que não pode contar quem é a cantora. “Olha como está a situação, ‘Garota de Ipanema’ seria execrada hoje. Tá muito louco isso, tá muito exagerado. A gente pisa em ovos. Tô achando muito chato.”

Ele também critica o momento polarizado na política nacional. “Os dois lados estão feios e rancorosos. Anos atrás você era de esquerda, de direita, de centro e tudo bem, as pessoas se respeitavam. Hoje em dia rompe relação de amizade, de família. Meu Deus, é uma coisa impressionante. Um absurdo.”

“Você vê por um lado tudo o que aconteceu nos últimos anos, com uma porrada de corrupção. Por outro lado, temos esse governo desastrado. O Bolsonaro com um estilo maluco e aqueles filhos dele complicados. E tem uma oposição que fala: ‘Nós estamos resistindo’. É guerra? Que merda é essa, porra? Dá a impressão de que a oposição tem que ser contra de qualquer maneira. Eu sou brasileiro. Eu quero que dê certo.”

“Mas sou otimista. Mesmo com a polarização, essa briga entre Bolsonaro e Lula, esquerda e direita pode dar certo. Eu acho que o PT deixou de ganhar por uma questão estratégica. Se botasse o Ciro [Gomes] e o [Fernando] Haddad de vice, ganharia folgado a eleição. O Bolsonaro é cria do Lula. O PT criou o Bolsonaro. Grande parte dos votos do Bolsonaro era contra o PT.”

“Sou brasileiro. Quero que meus filhos e meus netos tenham um Brasil melhor. E quero viver até os 94 anos trabalhando. Depois eu dou uma descansadinha.”

Hoje, ele diz que não tem mais desejo material. “Tô cada vez mais simples. Tô me contentando com muito pouco. Já fiz quase tudo também, não posso me queixar.”

“Não é que eu queira um fusca, quero um carro bom. Mas durante mais de 30 anos tive uma casa de 7.000 metros [quadrados], com campo de futebol, joguei para burro. Agora, não quero mais jogar. Tenho medo de me machucar. Então, não preciso mais daquilo. Meus voos, em termos de ambição material, estão muito menores.”

“Quero fazer o que eu faço. Estar com a minha família, meus amigos, tocar violão, comer muito bem, poder ir num bom restaurante, num cinema. Não quero muito mais coisa. 
Antes, eu quis muito mais e tive. E tenho ainda, mas não faço questão.”

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