Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Lixo, pescaria e urubus marcam excursão de artista no rio Tietê

Eduardo Srur reuniu convidados como o vereador Xexeu Tripoli e a fotógrafa Marina Klink para ver de perto a obra 'Pintado'

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Vista aérea da obra 'Pintado' e do rebocador

Vista aérea da obra 'Pintado' e do rebocador Danilo Verpa/Folhapress

“A regra é muito simples: caiu [no rio], escolhe uma margem e nada. Ficar parado não dá certo”, orienta o artista Eduardo Srur aos 17 amigos e convidados que estavam na margem do Tietê, esperando para embarcar em um rebocador e navegar pelo principal rio do estado de SP.

A ideia do passeio era ver de perto a instalação artística de Srur que estava flutuando no rio, há poucos metros dali, o “Pintado” —um peixe inflável de 33 metros de comprimento com corpo azul, barbatanas vermelhas e bigodes amarelos. Entre os participantes da experiência estavam o vereador Xexéu Tripoli (PV-SP) e a fotógrafa Marina Klink, casada com o navegador Amyr Klink. 

“Eu já caí no rio Pinheiros. No Tietê, nunca”, disse, rindo Tripoli. Ele conta que, anos atrás, o seu pai, Ricardo Alvarenga Tripoli, tinha um barco que ficava no rio Pinheiros na época de campanha eleitoral. 

“O barquinho era de madeira e tinha um motorzinho. Mas, como ele ficou muito tempo fora d’água, a madeira secou e enrugou. Assim que eu entrei no rio, começou a entrar água”, segue. “Para salvar o motor, fui tentando levar o barco para a beira, mas não deu tempo. Arremessei o motor e eu afundei com o barco”, completa, rindo. “Mergulhei completamente. Na hora, lembrei de fechar a boca, porque era merda pura. Puta merda! Atravessei a marginal desesperado para achar uma torneira”, continua. 

Ele diz que entrou em uma empresa e, antes mesmo que alguém o impedisse, encontrou uma torneira e ficou meia hora embaixo da água corrente. Tripoli conta que também foi ao médico e tomou alguns remédios.

“Se a gente cair com isso [e aponta para o colete salva-vidas que foi distribuído], nem a arte salva, hein Eduardo”, completa Marina, referindo-se à outra intervenção do artista, que ocorreu em 2011 no Congresso Nacional. Na ocasião, Srur e dezenas de voluntários arremessaram 360 boias salva-vidas no espelho d’água em frente ao parlamento com a frase “A Arte Salva”.  

Também integravam o grupo dois biólogos sortudos: Gabriela Tiburcio ganhou um sorteio organizado por Srur em seu Instagram, e levou como seu acompanhante Ricardo Pires. Ela mora em Bertioga.

“Que roupa você coloca para navegar no rio Tietê?”, questiona, rindo, Pires. “Minha mãe me disse: ‘Vai de galocha, camiseta de manga comprida e calça pra não se contaminar lá no rio’”, completou Gabriela.

O “Pintado” estava atracado próximo à ponte Imigrante Nordestino, que divide os municípios de SP e Guarulhos. A obra foi inaugurada no dia 16 deste mês e fica no rio até esta segunda (30). A ideia do passeio, realizado na quinta (26), surgiu enquanto Srur fazia uma sessão de ioga na sauna —“penso em arte 24 horas por dia”. No último mês e meio, com a correria, ele conta que emagreceu seis quilos. 

“Vou colocar um coolerzinho com água no barco. Nós vamos naquele rebocador”, diz Srur enquanto aponta para um barco branco e vermelho. “Gente, que sonho! Que sonho!”, diz Marina. “Já fui para a Antártida 15 vezes, fui nos cinco continentes, visitei 43 países. É uma vergonha a gente morar em SP e nunca ter vindo navegar no Tietê, né? É um absurdo as pessoas olharem o rio e não enxergarem que ele é natureza. As pessoas olham como esgoto”, completa.

Com céu nublado —o que amenizou o forte odor de esgoto—, o rebocador ligou seus dois motores às 13h35. “Nós demos muita sorte com o tempo. Vocês não imaginam o que é isso aqui no sol. O cheiro, o calor. Fica insuportável!”, diz Srur.

A embarcação, nomeada “Tietê 3”, navegava a 10 km/h. O trajeto, que durou cerca de 50 minutos, contou com uma visita às “cataratas do Tietê”, como brincou Srur, referindo-se a uma barragem, além de uma volta em torno do “Pintado”. 

Os dejetos chamam a atenção: pedaços de madeira, baldes, garrafas, secador de cabelo, sapatos, embalagens de macarrão instantâneo, salsicha e remédios. Próximo à barragem, o barco passou ao lado de uma concentração de lixo que flutuava. Segundo um dos funcionários da empresa que atua no Tietê, aquele lixo tinha volume de 120 metros cúbicos. 

Dados da ONG SOS Mata Atlântica que foram divulgados neste mês mostram que a mancha de poluição do rio aumentou 34% em 2019, em relação ao ano anterior. “Se tivesse que apontar o dedo, precisaria de vários. Os governos fizeram promessas e não cumpriram, mas a sociedade também está muito passiva”, diz o artista. 

Quando a embarcação se aproximou de um grupo de sete capivaras que descansavam na margem, os convidados sacaram seus celulares para fotos, vídeos e selfies em um movimento tão sincronizado que parecia ter sido combinado. 

“Parece um ratão”, disse um. “Se você fechar bem o olho, e abstrair um pouco, até que dá para enxergar uma paisagem bonita”, disse outro. “Como é que elas sobrevivem ali? Dá vontade de levar para outro lugar”, completou Marina. 

No trajeto, também foram avistados bem-te-vis, quero-queros e urubus —a última espécie, inclusive, sobrevoou a embarcação em alguns momentos. Pouco antes do rebocador se aproximar do “Pintado”, e parar ao lado dele, o artista explicou que a obra tinha o mesmo tamanho que “a maior baleia registrada no mundo”.

“O pintado é um peixe feio, na verdade. Tomei a liberdade poética de fazer a escultura bem colorida para simbolizar as cores que o rio tinha antes dessa distorção da paisagem”, diz o artista, reforçando a ideia de que a obra está ali para chamar atenção para a poluição do rio. A boca aberta do peixe representa a busca pelo oxigênio, completa.

Em seguida, Srur saltou para a plataforma que sustenta a obra, formada por cerca de 90 toneis, e posou para as câmeras próximo à boca do animal. “Vou fazer uma foto sua tipo Jonas”, diz Marina, referindo-se ao conto “Jonas e a Baleia”. 

Já de volta à terra firme, ele conta que um funcionário de sua produtora, Attack Intervenções Urbanas, está tentando há duas semanas pescar algum peixe do Tietê.

Pouco tempo depois, a conversa com o artista foi interrompida por um funcionário. “Corre lá que o menino pegou um bagre!” Próximo de onde o animal foi pescado, estava um grupo de 11 homens olhando de perto e tirando fotos. “Ele lutou. Enrolou todas as linhas ali. Ele é brabo”, disse Davi Romeu enquanto segurava o peixe de quase um metro.

Depois das fotos, o peixe foi devolvido para o rio. “Falei que tinha uns monstrões aí dentro da água”, disse um funcionário. “Isso dá uma baita esperança!”, completa Srur.

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