Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'O Capital vai tocar menos, e eu quero fazer coisas sozinho', diz Dinho Ouro Preto

Vocalista diz Capital Inicial vai diminuir o ritmo e que hegemonia do funk e do sertanejo não deveria gerar ressentimento

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Retrato do cantor Dinho Ouro Preto em sua casa

Retrato do cantor Dinho Ouro Preto em sua casa Karime Xavier/Folhapress

É uma manhã ensolarada de terça-feira (17) quando Dinho Ouro Preto abre a porta da sua casa. Sorridente, ele saúda o repórter e a fotógrafa da coluna e oferece o cotovelo esquerdo para cumprimentá-los. Os dois retribuem o gesto, tocando os seus antebraços com o do cantor de 55 anos. “Agora, só assim”, brinca ele sobre a alternativa de mesura quando o aperto de mão é desestimulado para evitar a transmissão do novo coronavírus.

Mas ele está levando a sério a prevenção contra a Covid-19. Carrega um frasco de álcool em gel no bolso e convida quem quiser água a servir o seu próprio copo do jarro disposto sobre a mesa de centro na sala do imóvel no Jardim Paulista, em SP, onde ele vive com a mulher, a empresária italiana Maria Cattaneo.

“A família dela está na Itália. Meu irmão mora na França. A gente recebe informações [sobre o coronavírus] desses dois países. Tá uma coisa meio distópica, de ficção científica. É difícil de acreditar que está acontecendo. E quando me descrevem, fico achando que é um prelúdio do que vai inexoravelmente acontecer aqui”, diz ele, nascido em Curitiba (PR).

No fim de semana anterior, Dinho se apresentou com a sua banda Capital Inicial em um cruzeiro promovido por uma estação de rádio. “Tinha 5.000 pessoas a bordo”, diz.

“Mas é o meu trabalho. Tive que ir. Não saí da minha cabine, mas durante o show eu via as milhares de pessoas, estavam todas coladas umas nas outras. Se havia alguém doente ali, passou pra todo mundo”, diz ele, que cancelou a sua agenda de shows até maio.

Ele conta estar preocupado com o fato de a tarefa de conter a pandemia no Brasil estar sob a batuta do presidente Jair Bolsonaro. “Um sujeito que nega a ciência, que vive em conflito com tudo e com todos. Que acredita em teorias da conspiração”, afirma.

“Vejo ele [Bolsonaro] cercado por terraplanistas. O meu pai era um dos maiores intelectuais que conheço”, diz sobre Afonso de Celso Ouro-Preto, que foi embaixador. “Era da turma do [Rubens] Ricupero. Homens que passaram a vida inteira lendo. E agora vemos a apologia da ignorância. Não sei como verbalizar o suficiente o quanto eu me oponho a isso”, afirma. “É possível que um dos efeitos colaterais do coronavírus seja justamente se livrar do populismo nacionalista. Por eles provarem que são pessoas inadequadas para situações em que a nação precisa de união. É um rasgo de otimismo”, reflete ele, que já pensou em entrar para a política.

“Às vezes sinto uma coceira para me jogar na fogueira”, diz ele. “Mas a coceira vem e vai [risos]. Onde eu poderia me jogar? No Congresso? Eu ia acabar tendo menos voz ali do que eu tenho aqui fora.”

Dinho é vocalista e compositor do Capital Inicial, grupo surgido em 1982 e do qual ele faz parte desde que tem 19 anos. No sábado (21), a banda celebrou os 20 anos de lançamento do disco “Acústico MTV - Capital Inicial”, álbum que passou a barreira do um milhão de cópias originais vendidas e foi um divisor de águas na carreira do conjunto.

“Mudou a dimensão do Capital. Mudamos de prateleira. Passamos a ser uma das maiores bandas do Brasil”, lembra Dinho. Na época, ninguém achava que o grupo seria alçado ao sucesso com aquele trabalho. “Nem nós, nem a MTV. ”

“Em 2000, 2001, a gente chegou a 240 shows no ano”, lembra ele, que contabiliza o lançamento de um álbum do grupo a cada dois anos nas últimas duas décadas. “O Capital veio sem parar”, diz.

Mas agora eles vão diminuir o ritmo. “Está todo mundo exaurido. A partir de agora devemos fazer projetos pontuais”, anuncia.

“O que vai acontecer é que o Capital vai tocar muito menos. Esse projeto de 20 anos agora, por exemplo: vamos fazer alguns shows. Aí eu sigo com a minha vida, com os meus discos, e, sei lá, o Capital vai fazer 40 anos, aí fazemos uma turnê pra isso. Vejo o futuro assim: com projetos com começo, meio e fim, em vez de ir emendando.”

“E eu quero fazer coisas sozinho também”, diz ele. “Nesse ponto talvez eu discorde do Samuel [Rosa, vocalista do Skank que em entrevista à coluna sugeriu “voo solo” a Dinho e a Rogério Flausino, do Jota Quest]”. “O Samuel foi o primeiro a falar uma coisa que todos nós sentimos. Peguei o que ele disse e fiquei meio pesando na minha vida”, diz. “Acho que é possível manter a banda e evitar o marasmo. Mas é preciso muito esforço, estar atento aos sinais, à cena. Sair da sua zona de conforto, sabe?”

Para Dinho, a cena roqueira do Brasil está bem representada nas novas bandas. “Você mede a saúde do rock brasileiro não vendo como bandas veteranas estão indo, e sim como as bandas novas estão indo”, diz ele, que elogia grupos como Scalene, Supercombo, Zimbra e Ego Kill Talent.

“Você poderia argumentar: ‘Será que diminuiu a qualidade dos artistas, que não tem alguém como o Renato [Russo], o Cazuza ou o Arnaldo Antunes?’ Mas há sim talento. Só que mudou a natureza, a composição das peças no tabuleiro. Você tem hoje o streaming, outros tipos de coisas acontecendo ao mesmo tempo. E aquela situação [de grandes ídolos do rock] que aconteceu há alguns anos não vai se repetir. Mas não é por diminuição na qualidade dos artistas envolvidos. São tão bons quanto.”

Ele não vê com preocupação o fato de o rock ter perdido espaço no mainstream para outros gêneros musicais. “O rock encolheu no mundo inteiro. Você tem bandas novas brasileiras, várias muito boas, só que nós estamos todos circunscritos a menos espaço.”

“Mas essas bandas todas, com menos espaço, continuam construindo as suas carreiras”, diz. “E quando ouço as pessoas se queixarem de que há menos espaço, me vem à cabeça as nossas origens. Naquele momento, quando tudo começou, não havia espaço algum. Nenhuma rádio tocava rock, os shows gringos não vinham para o Brasil, a infraestrutura era primária. No entanto, desse ‘pouco’ nasceu essa cena tão fértil, sabe?”

"Ou seja: é irrelevante. As pessoas não deveriam perder a sua energia com o ruído em volta. Se há outros estilos acontecendo mais, se há menos espaço. Deveriam se concentrar no prazer de fazer música”, avalia. “Sempre vai ter gente que gosta de rock. Se é a bolacha mais quente no momento ou não, não é algo que deveria preocupar.”

“E quer saber, muitas vezes é justamente essa música que é feita sem compromisso algum, sem ambição alguma, a coisa mais despretensiosa possível, que vai encontrar a ressonância mais inesperada.”

Ele não critica a atual música de mainstream, marcada pelo funk e pelo sertanejo. “As pessoas estão preferindo isso. Ótimo. Acho que não devia gerar ressentimento em quem não faz parte desse tipo de música”, diz.

“Pode-se argumentar que é um empoderamento do gosto popular. Por ser streaming, que não custa dinheiro. Na época da MPB, do rock, os discos custavam caro e talvez fosse meio estabelecido pela classe média branca. É possível ver por esse lado também: que pela primeira vez, em que é irrelevante o custo do consumo, está prevalecendo o gosto popular. Nesse sentido, ainda é uma coisa mais democrática e justa. E que ouça-se. Não tem problema nenhum”, diz ele.

“No Brasil, até pouco tempo atrás, eu via quase como se fossem apenas uns pacotes culturais que caíam na cabeça dos brasileiros e todos se sentiam compelidos a ouvir um determinado gênero de música ao mesmo tempo. Justiça seja feita, em um momento isso nos favoreceu, nos anos 1980. Depois foi o pagode, ou o axé. E a impressão é que a cada gênero sucessivo que isso acontecia, tirava todo o ar do ambiente e sufocava os demais estilos de música.”

O que ocorre atualmente, diz ele, é um sinal dos tempos. “É um sinal justamente de sofisticação e amadurecimento da indústria do entretenimento e do show business brasileiro.”

Dinho diz não ser um artista de berço. “Conheço artistas que produzem com uma facilidade natural. Não é o meu caso. Não acho que sou um artista nato. Me tornei um artista através da disciplina, da dedicação. E o Capital é o resultado disso. Conseguiu ser uma banda vencedora, alcançar um tamanho inesperado, mas fruto de trabalho ininterrupto.”

“Me veio na cabeça a música do AC/DC: ‘It’s a long way to the top if you wanna rock and roll [é um caminho longo ao topo se você quer rock and roll]’. É isso.” Na saída, despede-se com o cotovelo.

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