Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Sou constantemente cancelada', diz Bela Gil

Minuciosa, a chef teve que deixar a louça na pia para o dia seguinte e as crianças dormirem tarde na quarentena; agora, se prepara para lançar um livro e conta como fez uma agrofloresta na casa da família

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A chef de cozinha e apresentadora Bela Gil se lembra do dia em que tudo mudou por causa do novo coronavírus. Era 13 de março quando recebeu uma mensagem no grupo de WhatsApp da sua família: sua irmã Preta Gil anunciava que estava com Covid-19.

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A cantora havia se apresentado no casamento de Marcella Minelli, irmã da influenciadora Gabriela Pugliesi, na Bahia, na primeira semana daquele mês —vários convidados da cerimônia contraíram a Covid-19. Bela diz que dois dias antes de receber a mensagem, Preta tinha ido jantar em sua casa, em São Paulo.

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“Na hora eu pensei que com certeza todos nós teríamos pegado. É irmã, né? A gente se abraçou, se beijou”, conta. Ela diz que seu filho Nino, de 4 anos, ficou resfriado e que tanto ela quanto o seu marido, o empresário João Paulo Demasi, se sentiram indispostos.

 Bela Gil
Bela Gil com a agrofloresta que plantou em Araras, no Rio de Janeiro - Arquivo pessoal

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“Como a gente não estava com os sintomas mais sérios, preferi não fazer o exame, porque não queria ir para o hospital”, continua. Ela só foi tirar a dúvida dois meses depois, quando fez um exame para poder viajar à casa de sua família em Araras, no Rio de Janeiro —e o resultado mostrou que nenhum deles tinha contraído o vírus.

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Desde março, Bela, o marido e seus dois filhos estão isolados em seu apartamento em São Paulo —com exceção de duas viagens que fizeram para Araras. Em uma delas, para participar da live em comemoração aos 78 anos de seu pai, o músico Gilberto Gil.

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“Deu tudo muito certo, meu pai é muito meticuloso. Eu falo que puxei muito ele, de ser CDF, estudioso. Ele passou três dias ensaiando, tocando e cantando. E saiu tudo muito perfeito. E quando sai perfeito, ele ama”, conta.

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“Foi muito bom ver que deu uma leveza maior para ele no aniversário. No dia seguinte, ele falou que tinha chorado muito antes de dormir, de felicidade, pelo carinho e afeto que recebeu. Para ele foi muito bom. E pra gente também, obviamente.”

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Na segunda estadia em Araras, transformou o campo de futebol que tinha na casa em uma agrofloresta, que mistura cultivos distintos em uma mesma área​. “O meu pai logo se adiantou em defesa do meu sobrinho”, diz, entre risos. “Fizeram um [novo] campo em outro lugar.”

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O processo todo levou seis dias —com jornadas das 6h às 20h. “Éramos uma equipe de seis pessoas. Aí, vira e mexe descia alguém da família pra ajudar. Foi tudo feito com esse bracinho aqui, tá?”, diz, enquanto exibe os músculos dos braços. “Teve um dia em que meu irmão foi ajudar, ficou umas três horas e ficou todo dolorido. Ele até falou pra gente inventar uma horta urbana, para as pessoas fazerem agrofit”, segue, soltando mais uma risada.

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“Todo mundo tinha que fazer algum trabalho no campo só para dar o valor. Depois falam que [produto] orgânico é muito caro. Essa é ótima, viu! É um trabalho da zorra que dá, um negócio surreal! É uma disputa muito desigual com o agronegócio. Temos que valorizar.”

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Em maio, Bela e o marido se filiaram ao PSOL. “Entendi que para o meu objetivo de vida, não trabalhar com política é inviável, quase impossível. Quero dar acesso a comida saudável a todos e desmantelar esse sistema agroalimentar.” Mas afirma que, por ora, não pretende se candidatar a cargo eletivo. Ele, por outro lado, ainda estuda a possibilidade de concorrer a vereador em SP neste ano.

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Bela conversou com a coluna por chamada de vídeo, em seu quarto —“o único lugar da casa em que, nesse momento, posso falar com mais privacidade”. Tinha os cabelos molhados presos em um coque e estava sem maquiagem. Atrás dela, mais de dez diplomas e certificados estavam enquadrados e expostos na parede. “Se tem uma coisa em que sou viciada é estudar.”

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Ela diz que sentiu uma montanha russa de emoções na quarentena e que em dois momentos chorou muito, “aquele choro que você sabe que não é seu, é uma coisa de catarse”. “Eram muitas, muitas perguntas. Será que estou sendo egoísta em simplesmente cuidar do meu ninho? O que posso fazer pra ajudar esse povo todo? Como é que você se sente bem, sendo privilegiada, podendo estar dentro de casa segura e saudável, com várias pessoas correndo perigo e passando fome?”, diz. “Nesses dois dias eu acordei, sentei e chorei baldes. Por causa desse peso.”

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Entre os desafios que a quarentena impôs para a sua rotina, ela diz que o ensino a distância de seus filhos “foi o menos cruel”. Logo no começo, resolveu tirar Nino da escola. Já sua filha Flor, de 11 anos, continuou com os estudos normalmente. “Foi uma maneira de ajudar ela a entender o que é disciplina. ‘Você vai botar o relógio pra despertar, vai acordar e fazer a sua aula.’”

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O “mais cruel”, diz, entre risos, foi “estar 24h seguidas com as crianças”. “Foi uma experiência de desapego do perfeito. Sou capricorniana e super perfeccionista. Foi uma lição dormir com a louça na pia, fazer a cama às 15h, as crianças irem dormir às 2h. Cara, tá tranquilo.”

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Em casa, começou a gravar um piloto de um programa para o canal GNT. A ideia, explica, é fazer um especial de Dia das Crianças, em outubro, em que cozinha com os filhos. Ela também finalizou o seu próximo livro, “Simplesmente Bela”, que começou a escrever no fim de 2019 e que será lançado pela Sextante no dia 17. A obra reúne dicas de como substituir produtos industrializados por receitas caseiras à base de ervas, aromas e óleos naturais.

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“Virei uma pessoa meio referência em vários aspectos da vida. Saí da cozinha e parti para outros lugares. Nesse momento, as pessoas estão entendendo o valor do simples, do básico e do que realmente tem valor na nossa vida. Acho que elas estão dispostas a acumular e a consumir menos”, diz. Entre as receitas, estão as de spray de limpeza para a cozinha, cataplasma de inhame e gengibre e pasta de dente de cúrcuma.

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Em 2015, Bela virou motivo de piada nas redes quando compartilhou que escovava os dentes com cúrcuma. O mesmo aconteceu quando uma receita de melancia preparada na grelha viralizou na internet. “Essas coisas são normais para mim. Não faço para atingir ou atacar alguém ou algum setor. Não entendia essa reação das pessoas, achando tudo muito bizarro. Tinha total confiança e segurança no que estava dizendo”, continua.

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Hoje em dia Bela acredita que muitos desses ataques podem ter acontecido por ela ser uma mulher negra. “O mais emblemático pra mim é a questão da melancia. Tenho quase certeza absoluta de que se fosse um homem branco botando uma melancia na grelha não teria virado meme.”

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Ela conta que demorou muito tempo para se reconhecer enquanto mulher negra, e que isso foi desencadeado quando participou do programa Saia Justa, há cerca de três anos. “Alguma hora eu falei com a Gaby Amarantos em terceira pessoa me referindo às mulheres negras. No intervalo, foi uma chuva de tuítes: ‘Alguém avisa a Bela que ela é negra’.”

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“Sempre me senti muito privilegiada. Circulava por todos os lugares e as pessoas não me olhavam de uma maneira... Me sentia bem com a minha pele, com a minha cor, com o meu cabelo. Então isso fez com que não sentisse o peso do racismo. Mas, agora, pensando nisso, vejo que posso questionar alguns capítulos da minha vida.”

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“Diariamente dou a minha cara a tapa. Não tenho medo de ser cancelada, não, porque acho que sou constantemente cancelada, sabe?”, diz, referindo-se à prática de hostilizar celebridades que desagradam a opinião pública virtual. Por outro lado, enxerga um acirramento político partidário maior nas redes. Nas eleições de 2018, diz ter perdido cerca de 80 mil seguidores.

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Há algumas semanas, publicou textos sobre um assentamento do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e foi criticada por uma seguidora. “Ela comentou que adorava o meu trabalho, mas porque eu apoiava [o MST] ia deixar de me seguir e de assistir aos meus programas. Você precisa ser alinhada em todos os aspectos da vida de uma pessoa para gostar dela?”

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“Isso não existe. Nem no seu marido você vai enxergar 100% de qualidade. Mas você aceita, ama e respeita. Essa questão de ter que ser 100% alinhado com um pensamento, um discurso, é muito, muito terrível.”

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“Outro dia, li um texto que o meu pai escreveu há muito tempo sobre diversidade cultural. E falando que a gente tem que passar, ir além da tolerância para com as pessoas. Estamos muito afastados da humanidade, do que é ter empatia, solidariedade, compaixão.”

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“A gente precisa fortalecer isso tudo. União com mais afeto, mais carinho, mais tato, mais físico.”

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