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Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Agora fazemos tudo dentro do impossível, diz Mel Lisboa

Atriz se emociona ao pensar na ideia de um teatro lotado de pessoas, se diz preocupada com a cultura no país, mas acredita que a arte 'vai resistir, como sempre fez'

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A atriz Mel Lisboa em ensaio realizado antes da pandemia

A atriz Mel Lisboa em ensaio realizado antes da pandemia Bob Wolfenson

A atriz Mel Lisboa leva as mãos aos olhos para conter o choro ao pensar na ideia de um teatro lotado de gente —e conta que é a primeira coisa que gostaria de fazer no pós-pandemia. “Ai, desculpa, desculpa”, diz, entre lágrimas. “É o que neste momento está me fazendo muita falta. Desculpa, tá foda, tá muito difícil.”

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A atriz diz que logo nos primeiros sinais da Covid-19 no Brasil ela já arriscava a dizer que, no país, a epidemia, em termos de duração, avançaria a casa dos três dígitos. “A questão, para mim, é saber até onde vão esses três dígitos. Porque pode ir de 100 a 900 [dias], entendeu?”

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Ela afirma que percebeu a importância de lidar com a epidemia de forma coletiva, e reconhece seus privilégios. “É uma ação individual que resulta no coletivo, mas eu sei que nem todo mundo pode ficar em casa. Então, quem pode, seria importante que ficasse.”

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Ela está desde a primeira quinzena de março em sua casa na Vila Mariana, em SP, com seu companheiro, o percussionista Felipe Roseno, e seus dois filhos, Bernardo, 11, e Clarice, 8.

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“Agora, a gente tem que trocar [a expressão] ‘dentro do possível’ por ‘dentro do impossível’”, diz. E cita como uma das dificuldades da quarentena o começo da adaptação de seus filhos com o ensino a distância.

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Ela conta que, agora, eles acordam, tomam café da manhã e se conectam sozinhos para assistir às aulas. Mel também passou a ter classes por videoconferência —ela cursa graduação em Letras pela PUC-SP desde 2018. “Tive que achar um canto em casa para cada um, pra ninguém atrapalhar ninguém.”

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A atriz conversou com a coluna direto de um quarto que foi alugado em uma casa na Barra, no Rio de Janeiro —foi a segunda vez que ela deixou sua casa em São Paulo desde março. A primeira foi para passar um fim de semana num sítio de amigos.

A atriz Mel Lisboa em ensaio realizado antes da pandemia
A atriz Mel Lisboa em ensaio realizado antes da pandemia - Bob Wolfenson

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“Não repara que eu tô terminando de comer, tá? Aproveitei o meu trabalho, que para mim acaba virando férias, porque eu não tenho que cuidar de casa, nem de filho, e acabei dormindo até tarde”, diz, entre risos.

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Mel viajou à capital fluminense, de carro, para gravar cenas do filme “O Amante de Julia”, de Vinícius Coimbra. Ela conta que estão sendo seguidos protocolos para evitar o contágio do coronavírus e que realizou uma bateria de testes. Sobre a trama, limita-se a dizer que será uma “adaptação brasileira contemporânea” do livro “O Amante de Lady Chatterley”, do inglês D. H. Lawrence.

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Ela também estava escalada para Malhação, da TV Globo, que foi interrompida por causa da Covid-19 em março, antes mesmo que a atriz começasse a gravar.

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Na quarta (7), foi informado que a emissora suspendeu a produção, que já havia sido adiada para 2021. “[A pandemia] é uma situação sem precedentes e que realmente acabou transformando a vida das pessoas, mudando muito os planos. Infelizmente, esse projeto acabou sendo suspenso por conta disso”, lamenta Mel.

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Ela diz que acompanha com “muita dor no coração” a cultura sob o governo Bolsonaro. “É muito triste você ver o sucateamento, o plano para acabar com a cultura no país. Sempre foi muito sacrificado, muito difícil. Mas agora realmente há um desmonte planejado.”

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Mel afirma que acha muito difícil enxergar uma luz no fim do túnel para a cultura nesse governo. Mas, continua, a arte “vai resistir, como sempre fez”. “Vamos passar por altos e baixos, por dificuldades. Mas vamos nos recuperar, voltar, fazer as nossas coisas do jeito que dá porque é preciso fazer.”

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A atriz, que já se posicionou politicamente nas redes sociais, diz que é “deselegante” a cobrança por posicionamentos de outras pessoas. “Eu já me posicionei porque acho que tem importância para mim, enquanto artista e enquanto corpo político que sou. Faço parte da sociedade, para além do meu trabalho. Mas ninguém deve nada, você faz o que se sentir confortável. Se quiser falar, fale. Se não, tá tudo bem.”

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Ela olha com cautela a onda de cancelamentos na internet —prática de hostilizar celebridades que desagradam a opinião pública. “A gente tem que entender que a pessoa que é cancelada é um ser humano, com todas suas fraquezas e vulnerabilidades”, diz. Mas, por outro lado, ressalta que é importante apontar casos graves, como racismo e homofobia, para que não se repitam.

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Na primeira semana de julho, o nome da atriz virou um dos assuntos mais comentados no Twitter depois que ela divulgou uma mensagem da professora de sua filha nas redes sociais. A professora se referiu às mães, sem citar os pais, em um grupo de WhatsApp, cobrando ajuda nas tarefas dos alunos. “Por que só as mamães? Papais também não podem ajudar?”, respondeu Mel.

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A publicação da atriz acabou dividindo opiniões nas redes sociais, e Mel foi atacada pela maneira como expôs a profissional —ela acabou se desculpando e apagou o post.

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A atriz diz que reconhece que errou na maneira com que tratou o tema, que jamais imaginou a proporção que a publicação acabou tomando e que já conversou com a professora e se desculpou. “O mais importante é a questão de forma e conteúdo. Qual foi o grande desserviço? Eu ter feito um post sobre um assunto sério, que deve ser discutido, e ele ter sido ridicularizado e menosprezado. Se me xingaram, isso diz respeito só a mim”, conta.

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“E isso foi o que mais me deixou chateada comigo mesma. Cara, que mancada! Assunto importante desses virou outra coisa. Parecia que eu estava atacando a classe dos professores e não era isso!”

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Mel fez parte do seriado “Coisa Mais Linda”, da Netflix, que aborda temas como a violência contra a mulher, o racismo e o próprio machismo. A segunda temporada estreou em junho.

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“Esse é o poder da arte, da cultura. De uma forma poética, artística, te faz pensar, te faz questionar”, diz. “Às vezes, a pessoa está de saco cheio de ouvir falar de feminismo, de #MeToo, mas aí olha para a série e pode se identificar com personagens”, segue. “Essa série tem muito disso. Sem nenhuma demagogia, nenhum levantar de bandeiras, ela vai delicadamente fazendo você pensar e refletir. É muito potente.”

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Em setembro, ela apresentou o espetáculo “Madame Blavatsky”, com texto de Claudia Barral e direção de ​Márcio Macena. Ele foi exibido num único dia, pela plataforma do Sesc, e encenado diretamente de sua casa.

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Ela afirma que pretende retomar esse projeto em breve —seja pelo formato online ou presencialmente, quando for possível. “De qualquer maneira, quando eu puder pisar num teatro, quero muito fazer disso um solo. Esse texto é atemporal, é universal”, diz.

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Aos 38 anos, enxerga com bons olhos o amadurecimento em frente às câmeras, questiona os padrões de beleza que são impostos e diz que tenta se despir de suas vaidades pessoais de estética. “Trabalho a aceitação das minhas ruguinhas, de mim. A gente tem que entender que [envelhecer] é natural, vai acontecer, é inevitável”, diz.

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Ela começa a desenhar um gráfico imaginário com os dedos no ar. “São duas linhas: uma de beleza, da juventude, do colágeno. A outra é experiência”, diz, enquanto vai mostrando que, com o passar do tempo, uma linha desce, mas a outra sobe. “E se existe uma coisa que eu ambiciono na minha profissão é isso. Você começa a ter uma qualidade como ator, o peso da própria experiência, e vai se munindo de ferramentas e de recursos”, segue.

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No começo do ano, a atriz posou para um ensaio do fotógrafo Bob Wolfenson e fez algumas fotos em que aparece nua. Diz que a sociedade “evoluiu muito pouco” em relação ao olhar do corpo da mulher. “Tento sair dos estereótipos que me foram colocados, me libertar das minhas amarras, de uma visão. O corpo é só um corpo, né?”

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Depois de mais de uma hora de conversa, Mel conta que pretende dar um pulo na praia. “Vou dar um mergulho no mar agora. Mas vou primeiro dar uma olhada na praia, ver se está muito cheia. Ficar na praia não dá, né? Mas dar um mergulho, entrar e sair, dá”, diz a atriz antes de se despedir. “Vamos tentar. Vou dar uma ‘bizoiada’ aqui de cima pra ver como está.”

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