Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mônica Bergamo

'Artista já vive em penúria, mais uma não seria novidade', diz o ator Guilherme Fontes

Carioca vai fazer filme de terror ao vivo e lembra que assustou até crianças quando fez 'A Viagem'

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A pandemia de Covid-19 reforçou a vontade do ator e diretor Guilherme Fontes de fazer arte ao vivo. Mais especificamente, um filme de terror encenado em tempo real.

*

“Vai ter um pouco da carnificina do [cineasta americano Quentin] Tarantino e um pouco do José Celso Martinez Corrêa [fundador do Teatro Oficina, em São Paulo]”, diz o carioca de 53 anos sobre o projeto.

*

A obra ainda não tem previsão de estreia, mas a ideia é que ela seja exibida em mais de uma sala de cinema simultaneamente. “Já temos roteiro, elenco, locação. Objetivamente, já está tudo orçado. Falta só um patrocínio”, segue Fontes.

O ator e diretor Guilherme Fontes em sua casa no Rio de Janeiro
O ator e diretor Guilherme Fontes em sua casa no Rio de Janeiro - 13.dez.2020 - Raquel Cunha/Folhapress

*

Ele afirma que cogita fazer projetos assim há dois anos, e que o interesse por conteúdos de entretenimento não gravados de antemão visto em meio ao isolamento social contra o coronavírus “só confirmou o que eu pensava antes”. “É a coisa mais popular do momento”, diz.

*

“O ao vivo liberta”, segue. “É um risco que as pessoas correm, mas que ao mesmo tempo causa um frisson em quem assiste.”

*

Fontes conversou com a coluna por vídeo, do local onde vai reabrir o seu estúdio de produção cinematográfica em 2021, um prédio de quatro andares na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro.

*

“Pretendo que ele [o espaço] seja um laboratório para mim e para todos que venham trabalhar comigo”, diz ele da sala de teto preto, ainda vazia, que ecoa as suas palavras. “Para conviver na ideia de que só a cultura salva.”

*

Para ele, o aperto financeiro gerado pela Covid-19 não é “grande novidade” para o setor cultural. “O artista já vive em uma penúria há tanto tempo que a pandemia foi só mais uma crise objetiva”, avalia Fontes. “E mesmo assim a gente se superou, continuamos sendo a principal diversão e válvula de escape emocional para toda a população. No mundo.”

*

Sobre a paralisação na Ancine (Agência Nacional do Cinema), que em um período de dez meses aprovou apenas um projeto para receber recursos do Fundo Setorial do Audiovisual, Fontes afirma que ela não pode ser atribuída unicamente ao governo de Jair Bolsonaro. “É um problema anterior”, diz ele.

*

“E o Bolsonaro, em se confirmando essa ojeriza que ele tem pela cultura, se aproveitou da situação”, segue o ator —no ano passado, o presidente da República ameaçou extinguir a agência caso ela não pudesse ter filtros.

*

Fontes voltará ao ar com a reprise que o canal Viva fará da novela “A Viagem”, exibida na Globo em 1994. Na trama, o ator interpretou Alexandre, um jovem rico problemático que é preso por assassinato e se mata na cadeia. Então ele vira um espírito errante que assombra e age com má influência sobre outros personagens da novela.

*

A figura de semblante soturno, cabelo loiro e roupas pretas é lembrada até hoje, inclusive em memes (piadas de internet). Um deles traz a imagem de Alexandre atrás de Bolsonaro. Outro mostra a foto do personagem com a mensagem “vá ao shopping”, em alusão a uma má ideia em tempos de pandemia.

*

“Eu adoro [os memes]. Trato isso como uma criança que estivesse ganhando um pirulito. Quando é uma coisa muito extrapolada [como a sugestão de sair em meio à pandemia do coronavírus], eu corrijo. Mas quando acerta, eu republico”, conta.

*

No auge da novela, muita gente preferia não se deparar com Fontes por medo de Alexandre. “Teve uma vez num posto de gasolina, em um lugar muito ermo, que só tinha uma lampadazinha. Quando cheguei para pagar, o cara [do caixa] tomou um susto muito grande e saiu correndo, foi embora. Deixei o dinheiro pendurado. Foi ridículo”, diz, divertindo-se.

*

“Outra vez, em um avião, tinha uma criança tocando o maior terror. Ela veio correndo, deu uma pancada na porta do piloto. Quando virou, deu de cara comigo. E eu estava rindo e olhando para ela, com cara de doido. Ela ficou desesperada! [risos] Saiu correndo, chorando, mudou o tom, ficou muda lá trás.”

*

Ele pensa em aproveitar o personagem em novos projetos. “Seja um spin-off [como são chamadas produções derivadas de uma trama principal], um filme ou até um game —que eu já conversei sobre isso”, afirma o carioca.

*

Fontes também costuma ser lembrado pela saga envolvendo o filme “Chatô, o Rei do Brasil”, dirigido por ele e que demorou duas décadas para ser lançado, enfim, em 2015. Nesse período, o ator foi acusado de má gestão de recursos captados para a produção e irregularidades na prestação de contas —que foram aprovadas em 2019.

*

Ele diz não ter mágoas desse período. “O que magoa foi o tempo que perdi”, diz. “Depois de tantos anos, eu evoluí tanto, do ponto de vista profissional, que o que acontecer é fichinha. Foi um aprendizado muito profundo. Apanhando, literalmente, em praça pública. Eu brinco que eu era um homem de menos R$ 150 milhões [na época em que suas contas eram contestadas]. Hoje, sou menos dez só, talvez.”

*

Em 2021 o ator completa 40 anos de carreira desde que estreou no teatro. “Passou muito rápido, mas parece até que não fiz nada”, segue ele.

*

Fontes lembra com orgulho de momentos como as “grandes cenas de amor e paixão” que fez com a atriz Vera Fischer na série “Desejo”; de ter atuado no filme “Um Trem Para as Estrelas”, de Cacá Diegues; e “da rebeldia com que a gente falava de sexo e liberdade em ‘Bebê a Bordo’ [novela exibida em 1989]”.

*

“O [Carlos] Lombardi [autor do folhetim], que é um cara genial, escreveu um texto tão politizado. Ele colocava nas bocas dos personagens coisas incríveis sobre a sexualidade das pessoas e sobre política. Então no auge da abertura, o Sarney, o país desgovernado, com a inflação fodida, a gente ia detonando tudo”, lembra.

*

“Era muito bom. A ponto de a gente receber um comunicado do doutor Roberto [Marinho, ex-presidente das Organizações Globo que morreu em 2003 aos 98 anos] pedindo para baixar a bola que a gente tava muito saidinho com aquela beijação, agarração e texto chulo.”

*

O ator gravou um filme recentemente, sobre o qual ainda não pode falar muito por questões contratuais. Ele, porém, não tem previsão de voltar a atuar em novelas. Seu plano atual é prestigiar a sétima arte —literalmente.

*

“O momento é de homenagear as salas de cinema. Estou focado em levar as pessoas a elas”, diz.

*

“Não gosto de ver filmes no celular, a minha vista não aguenta. E a televisão já toma conta de tudo o tempo todo, 24 horas por dia das pessoas. O cinema, não”, diz.

*

“Agora está tão difícil entender como ir ao cinema no meio da pandemia, no pós-pandemia. Mas imagino que vai ser da mesma forma. É um tempo em que você sai de casa, vai sozinho ou com um amor. É um momento tão importante.”

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.