Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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O Brasil está desorientado e triste, diz Andréia Horta

Aos 37 anos, atriz revisita o início de sua carreira, reclama da falta de apoio à classe artística e diz acreditar em recomeço para o país

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Retrato da atriz Andréia Horta em sua casa, no Rio Sergio Zalis/Globo

Quem no início dos anos 2000 frequentou a rua Augusta, na região central da capital paulista, provavelmente encontrou uma atriz pedindo licença para vender um pequeno exemplar de “Humana Flor”, livro envolto por chita que reunia poesias feitas de seu próprio punho. Era Andréia Horta, então na casa dos 20 anos e recém-formada em artes cênicas, tentando construir uma carreira desejada desde a infância.

“Eu ficava em frente ao cinema Unibanco [hoje Espaço Itaú de Cinema] porque ali era um ponto de pessoas muito inteligentes, era um ponto de respeito”, diz ela hoje, aos 37 anos, em tom de brincadeira.

O entorno do número 1.470 da rua Augusta não era seu ponto de venda exclusivo —festas e até mesmo um casamento já serviram como oportunidades para negócio— nem mesmo seu único produto. Andréia já vendeu bolo de laranja a R$ 1 cada pedaço na porta do Centro Cultural São Paulo (zona sul), onde apresentava a peça “Crime e Castigo”, para pagar sua passagem de ida e volta.

“Um período de formação é sempre um período muito rico. Nunca é fácil, mas por isso também é inesquecível”, diz ela sobre o início de carreira. Na Globo desde 2010, Andréia voltou às telas da emissora neste mês com a reprise de “Império”, exibida originalmente em 2014 e premiada na categoria de melhor novela pelo Emmy Internacional.

Nascida na mineira Juiz de Fora, onde viveu até a adolescência, ela teve seu primeiro encontro com os palcos aos nove anos, em um teatro da cidade. Com 17 anos, mudou-se para Santo André, na região do ABC paulista, para cursar faculdade e viver com o pai, um metalúrgico que aos 33 anos trocou o chão de fábrica pelo ofício de ator.

“Minha mãe queria que eu ficasse em Minas, perto dela, e fizesse um concurso público, que era mais garantido. Fiquei um pouquinho insegura, pensei que talvez fosse melhor prestar psicologia. E meu pai falou: ‘Não. Você não pode perder o seu tempo mudando de rota. O teu caminho é claro’. Fiz o vestibular [para artes cênicas] em São Paulo e fui me embrenhando em tudo o que era coisa.”

Ela frequentou a Escola Livre de Santo André, onde teve aulas com o diretor Antônio Araújo, que a convidou para integrar o Teatro da Vertigem.

Andréia compõe o elenco da próxima novela das nove da Globo, “Um Lugar ao Sol”, ainda sem data de estreia. Desde o início de 2020, o folhetim já teve suas gravações paralisadas em três ocasiões diferentes por causa da crise da Covid-19.

Outros de seus projetos foram interrompidos em decorrência da epidemia, como a estreia da série “Colônia” e a próxima temporada do programa “O País do Cinema”, ambos exibidos pelo Canal Brasil. “Tudo isso realmente depende do rumo das coisas, tudo isso depende do Brasil. Nós temos uma doença muito violenta entre nós, levando pessoas muito queridas e pessoas que a gente não conhece. O número de mortos é uma coisa inacreditável. O amanhã é uma grande pergunta para todos nós.”

Em dezembro de 2020, a atriz recebeu o diagnóstico de Covid-19 após voltar aos estúdios da Globo. O teste para o vírus sinalizou positivo na mesma semana em que a atriz Marieta Severo, também no elenco de “Um Lugar ao Sol”, foi internada por causa da doença.

“Os protocolos de segurança da TV Globo foram muito rígidos e cuidadosos. Mas o vírus está aí. Sair de casa já é uma angústia, um medo para qualquer pessoa que esteja atenta e consciente.”

“Foi bem duro”, diz sobre a experiência dos sintomas. “Era muito cansaço, uma desorganização respiratória que eu nunca tinha vivido na minha vida. Eu não conseguia completar uma frase porque o ar faltava. Muita enxaqueca, muita diarreia, um cansaço muscular que parecia que eu tinha corrido uma maratona de São Silvestre, quando só tinha subido cinco degraus de escada. Foi uma parada muito aterradora.” Ela conta que o desconforto respiratório se estendeu por três meses.

“Num momento como esse, gosto de pensar que os artistas vão com uma lanterna acesa à frente da caravana, iluminando o caminho.”

“A nossa maior tristeza hoje é ver a quantidade de artistas que não têm nem condição dada pelo Estado para poder fazer o que gostaria de fazer, porque a gente olha para as coisas e quer devolver para o mundo uma expressão sobre elas.”

Andréia afirma que este é o momento mais delicado para atuar que já viu desde que se entende como artista. E explica: “É muito duro pensar em quais são os nossos deveres, como é que podemos mudar o rumo das coisas, sem antes pensar: ‘E os nossos direitos?’. As pessoas estão abatidas porque não têm nem como começar, elas não têm o que comer. Como é que a gente segue lutando?”

“Mas a gente vai seguir porque ama o Brasil. E acredita nesse Brasil bonito que a gente tem. O Brasil tá numa situação hoje... Ele foi eleito por metade da população brasileira. Isso também é sobre nós”, segue a atriz, que não cita o nome do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em nenhum momento da conversa com a coluna, realizada por vídeo.

“Não acho que estamos vivendo um desgoverno. Acho que a gente está sendo governado por pessoas que acreditam que isso é uma maneira de governar. Eles acreditam que estão fazendo política, só que isso não atende às necessidades de uma sociedade, isso é muito absurdo, inadmissível e ineficaz.”

Retrato da atriz Andréia Horta em sua casa, no Rio - Sergio Zalis/Globo

“O que escolhi fazer da minha vida me cobra que eu acredite no ser humano, que acredite na nossa capacidade criadora e transformadora para algo melhor. Preciso acreditar no ser humano para falar sobre a alma humana. Eu preciso acreditar, como cidadã e como artista, que vamos ser capazes, juntos, de nos orientar para a construção de um amanhã novo. E diferente.”

“Acho que o Brasil está desorientado, está se sentindo impotente, está triste. Diante dessa tristeza, nossa capacidade de agir fica muito comprometida. E acho que enquanto estiver parecendo que esse país colossal são dois times, vai parecer que uma parte tem que rivalizar com a outra o tempo todo. Esse não é o caminho, não.”

Vivendo em regime de distanciamento social desde sua casa no Rio de Janeiro, Andréia Horta acumula uma extensa lista de cursos virtuais realizados enquanto atravessa uma epidemia sem data para acabar. Ela está em seu segundo sobre Machado de Assis, mas recentemente também se aprofundou na obra dos filósofos Gilles Deleuze, Martin Heidegger e Hannah Arendt —sua predileta.

Ao lado das atrizes Débora Falabella, Bianca Comparato e Mariana Ximenes, no ano passado Andréia realizou o espetáculo “Cara Palavra”, transmitido virtualmente. A peça refletia sobre cotidiano, amor e solidão a partir do uso de poemas, músicas e textos biográficos.

Para o futuro próximo, a atriz tem gravações previstas para o filme “Vestida de Silêncio”, da cineasta Susanna Lira, em que interpretará Maria Thereza Goulart. O longa revisita a trajetória do ex-presidente João Goulart por meio do olhar da ex-primeira dama.

Mais uma vez, Andréia viverá nas telonas uma personagem cuja trajetória foi atravessada pela ditadura militar —a mais recente foi a cantora Elis Regina, em “Elis” (2016), de Hugo Prata. Num momento em que o golpe de 1964 é alvo de revisionismo por atores políticos, ela diz que a importância de obras como essas está em disputar a narrativa. “Só que a narrativa certa da história.”

“E não ‘certa’ por um viés da moral, mas a narrativa de contar a história com H maiúsculo mesmo, e não pontos de vista de um acontecimento. Vejo com muita alegria essas personagens tão fortes baterem na minha porta, essas mulheres tão conectadas com a própria existência, tão comprometidas com a própria voz.”

“A nossa maior responsabilidade hoje ao dizer qualquer coisa é se comprometer com os fatos, sem esquecer o mais importante que a gente faz como artista: inventar o mundo, trazer reflexão. É trazer beleza, mas é causar dissensão também. Isso é parte fundamental do que a gente faz.”

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